13 de agosto, 2020

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A economia da partilha

 

O meu sobrinho não deveria ter mais do que oito anos. Os pais disseram-lhe que talvez fosse melhor depositar no banco o dinheiro que os familiares e amigos lhe tinham oferecido na sua Primeira Comunhão. Assim não se perdia e sempre talvez rendesse alguns juros. O miúdo ficou pensativo, como quem pesa a sensatez daquela proposta intrigante, e devolveu a intriga aos pais: «Mas o banco precisa do meu dinheiro? É que eu estive ali a ler numa revista que há pessoas que precisam de ajuda noutros países e preferia dar-lhes o dinheiro a elas».

Nos últimos meses, os nossos lares transformaram-se em padarias domésticas, a expor os dotes que não sabíamos ter para a velha arte de amassar o pão de cada dia. Infelizmente, nem esta produção massificada de alimento serviu para esconder a fome que uma pandemia veio uma vez mais pôr a nu. Três meses de paragem forçada, que chegamos a desejar com uma certa inocência que fossem oportunidade para pensar a beleza de um mundo diferente, são afinal a tragédia do mundo virado do avesso que continua a pensar as pessoas como números de planos macroeconómicos. É um drama que o mundo se tenha transformado numa máquina de fazer pobres e ricos a cada passo. Talvez a prática recentemente generalizada de amassar pão nos ensine a arte de amassar um novo estilo de vida que reconheça no lucro e no progresso moinhos de vento que o tempo trata de revelar como miragens. Quando o pão do evangelho fermentar e a multiplicação acontecer, a vida será saciada e sobrarão sete cestos.

A igreja também amassou o pão durante estes meses, no recanto de tantas casas, na certeza de que o confinamento era o gesto de amor que fazia o outro viver. O povo de Deus viveu a espera, comprometido com a comunidade. A distância foi compromisso e não negligência. E, mesmo se houve desejo de que tudo voltasse ao que era antes, o povo de Deus sabia e sabe que “antes” é uma categoria a que a dinâmica da vida e o compromisso evangélico não permitem regressar. Abrir as portas das igrejas não significou, por isso, um regresso à rotina, um limpar o pó acumulado para reencontrar as velhas marcas do altar, do lecionário e dos bancos deixados à sua sorte durante semanas. Abrir as portas das igrejas tem de significar abrir a vida do povo de Deus a um mundo que precisa urgentemente de um jeito de ser que não crache a cada momento por causa de um vírus ou de uma conjuntura económica, arrastando consigo milhões de pessoas para o lugar onde viver é já apenas sobrevivência.

Há utopia nesta certeza? Com certeza. Mas para que serve a igreja se não para mostrar ao mundo que não está condenado a viver assim porque lhe foi dada a mão que o liberta deste desespero mascarado de sucesso e de progresso? Para que serve a igreja se não para dizer que há um tesouro na fragilidade partilhada? Fátima sabe bem que a comunhão verdadeira, a que conta, a que nos define, se diz com as poucas pedras frágeis e banais de uma capela pequena demais para a multidão dos que têm sede de partilha. Aquilo que importa partilhar e que sacia a vida diz-se com a boca de três crianças da Fátima de 1917 que não sabem muito de Deus e do mundo, mas que estão disponíveis para dar a vida pelo que sofre. O evangelho diz-se com a intriga do meu sobrinho que resiste a uma economia autocentrada, porque o viver juntos é partilha.

 

Pedro Valinho Gomes, Investigador nas áreas da Teologia e da Filosofia

(In Voz da Fátima, Ano 098, N.º 1175, 13 de agosto 2020) 

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