03 de maio, 2018
“A ciência nunca poderá provar que Deus não existe”, diz Henrique LeitãoFísico teórico, galardoado com o Prémio Pessoa, falou da relação entre religião e ciência na primeira visita temática do ano à exposição temporária “As Cores do Sol – A Luz de Fátima no Mundo Contemporâneo”
Um modelo didático do sistema terra-sol, do século XIX, foi o ponto de partida para a visita temática à exposição temporária “As Cores do Sol – A Luz de Fátima no Mundo Contemporâneo”, que decorreu ontem, no Santuário de Fátima, sob a orientação do físico Henrique Leitão. Mais de uma centena de pessoas veio ouvir a resposta à pergunta que deu mote à visita: “Fé e ciência: duas visões em confronto?”. A peça que serviu de base ao encontro está exposta no hall de entrada do Convivium de Santo Agostinho, espaço onde, até 31 de outubro, decorre esta exposição, já visitada por mais de 327 mil peregrinos, revelou o comissário da exposição, Marco Daniel Duarte. Foi o também diretor do Museu do Santuário que acolheu os visitantes através de uma breve visita guiada à mostra, até à sala onde decorreu a apresentação pelo convidado da noite. Cientista galardoado, doutorado em física teórica, historiador, investigador, professor, crente, Henrique Leitão começou por constatar a “ideia de incompatibilidade” que existe no debate que confronta a religião e a ciência. “A cultura atual tem esta ideia de incompatibilidade entre religião e ciência como uma moda intelectual e, como todas as modas que são partilhadas pela sociedade, habitualmente isto é tido de um modo não inspecionado”, afirmou, ao apresentar alguns sentidos diversos que existem por detrás desta conceção. “Há pessoas que têm um sentido vago, que as faz olhar para a ciência como algo que tem que ver com o progresso, e para a religião como algo relacionado com a tradição. Para outras, o sentido é mais filosófico-teológico, que admite um problema, de ordem intelectual, entre quem adota uma posição de fé e de ciência. Há ainda quem tenha uma visão histórica, que constata um problema entre religião e ciência, comprovado pela relação entre ambas ao longo da História. Não há, pois, maneira nenhuma de resolver estes três problemas, porque cada um deve ser analisado como tal.” A partir deste ponto prévio, onde assumiu a existência de ideias diversas sobre a relação entre religião e fé, Henrique Leitão desmontou a análise do tema da visita temática em duas partes: a primeira onde tentou perceber se a atividade cientifica comporta alguma diminuição para a ideia de Deus; e uma segunda onde evidenciou a importância que a religião teve no desenvolvimento da ciência. Independência entre Deus e a ciênciaEm relação à tese de que o aumento do conhecimento através da ciência “esbate” o sentido de Deus, Henrique Leitão evidenciou as diferenças entre a “caricatura de Deus” que é feita por esta corrente e a conceção cristã. “A transcendência de Deus, que nestas conceções é erradamente apresentada como uma espécie de categoria, está, para os cristãos, completamente de fora de quaisquer categorias espácio-temporais a que tenhamos cognitivamente acesso. Aliás, tudo o que dizemos sobre Deus está propriamente errado, porque aquilo que queremos designar não é capturável em nenhuma construção linguística ou artefacto conceptual humano, apesar de a teologia arranjar formulações que tentam, de uma maneira simbólica, aproximar a um entendimento de Deus, sempre com a noção de que Ele é incognoscível.” Henrique Leitão defendeu que “a ciência nunca poderá provar que Deus existe, como não poderá provar que não existe”, porque “há uma certa independência entre cada um dos campos” que leva a que não faça sentido questionar um Ser transcendente no âmbito da ciência, porque está “circunscrita por um modo de investigar o mundo que parte de um principio naturalista”. “Não há, nesta argumentação, nenhuma menorização da ciência. A ciência é um empreendimento intelectual humano extraordinário. Mas, no âmbito do postulado naturalista em que está determinada, a categoria ciência não tem maneira de interferir com a categoria Deus quando este Deus é entendido ao modo cristão”, esclareceu. A herança da religião na ciênciaSobre o segundo ponto, onde evidenciou a importância que a religião teve no desenvolvimento da ciência, Henrique Leitão começou por responder a uma pergunta: “o que é que, do ponto de vista cultural, o cristianismo nos diz acerca da natureza?” “O ocidente ficou determinadíssimo pelos conteúdos culturais do cristianismo, que fez afirmações importantíssimas acerca da natureza: que ela é uma coisa boa, criada para nós; que é um objeto; que não está investida do transcendente; e que está feita para ser entendida”, disse, ao sublinhar o “otimismo cognitivo” introduzido pelo cristianismo no pensamento científico das sociedades ocidentais. “O que culturalmente o cristianismo inseriu na Europa foi a ideia de que habitamos um mundo de coisas boas que se podem compreender e estudar. As culturas ocidentais acham que nunca pode haver um fenómeno natural que possa estar para lá da nossa compreensão e, por mais estranho que pareça, esta certeza é um derivado cultural do cristianismo”, concluiu. No final da apresentação, Henrique Leitão respondeu a algumas perguntas sobre o tema, colocadas pelos presentes, com quem trocou algumas opiniões. A próxima visita temática à exposição está agendada para 6 de junho, será orientada pelo fotógrafo Paulo Catrica e terá como ponto de partida “As fotografias de 13 de outubro de 2017”, da autoria Judah Bento Ruah, em mostra no núcleo expositivo. A exposição temporária evocativa da aparição de outubro de 1917 pode ser visitada entre as 9h00 e as 19h00, no Convivium de Santo Agostinho, no piso inferior da Basílica da Santíssima Trindade. |