25 de setembro, 2008
O NOSSO CÂNTICO DE JÚBILO: EU TE BENDIGO, Ó PAI…
É grande a alegria dos nossos corações hoje: uma alegria que contém e exprime gratidão e louvor ao Senhor pelos aniversários jubilares dos 25 e 50 anos de ordenação sacerdotal, respectivamente, dos nossos caros P. Jorge Guarda, Vigário Geral da Diocese, e P. Virgílio da Silva, pároco da Urqueira. Todo o presbitério diocesano com o seu Bispo e os féis aqui presentes se unem, com afecto, a eles – bem como ao novo reitor e ao novo administrador do Santuário que hoje tomam posse – e saúdam-nos com vivos e jubilosos parabéns. Este jubileu acontece no Ano Paulino, nas vésperas do Sínodo dos bispos sobre a Palavra de Deus, no início do Ano Pastoral da Diocese que nos convida a ir ao coração da fé com São Paulo e no ano centenário do nascimento do Beato Francisco Marto, exemplo de como uma criança é capaz de ir ao coração da fé. São momentos significativos da vida eclesial que ajudam a iluminar alguns aspectos da missão e da espiritualidade do padre. Para exprimir a nossa alegria e o nosso louvor, deixemo-nos inspirar pela Palavra de Deus que acaba de ser proclamada. O cântico de júbilo de Jesus, nosso cântico O texto evangélico (Mt 11, 25-30) é uma página extraordinária, considerada como uma das pérolas mais preciosas de todo o evangelho: é o hino de júbilo, o Magnificat de Jesus, que constitui uma “síntese da revelação”. Revela-nos o “segredo” vivo e palpitante de todo o projecto de salvação em Jesus, o Filho do Pai. É uma página que lança uma luz calorosa e fascinante sobre a nossa celebração jubilar. Estamos diante do mais belo cântico de amor filial que jamais se entoou sobre a terra. Aparece como um “intermezzo” de alegria no meio das dificuldades do ministério de Jesus, que encontra a recusa nas cidades de Cafarnaum, de Betsaida e Corozaim. Parece que Jesus, em tais circunstâncias, sente a necessidade de se refontalizar, de ir à fonte profunda. Este canto sai do coração humano de Jesus, em exultação, pelo mistério de infinito amor, bondade e ternura de Deus que quer comunicar aos homens e onde todos encontramos abrigo; pelas maravilhas de graça que este amor realiza nos corações simples que o acolhem. Contudo, Jesus não o entoou só para si. Entoou-o também para nós; quis envolver-nos nele. O seu cântico torna-se, hoje, o nosso cântico, porque o seu Espírito – o Espírito Santo –, quando toca as cordas do coração, torna-as sensíveis às vibrações da graça e suscita nelas um cântico divino, a música do Amor. No hino de júbilo de Jesus leio, pois, um convite a viver e exprimir, de modo simples e profundo, três sentimentos fundamentais da vida sacerdotal: o de um agradecimento alegre pelo dom do sacerdócio; o de um voltar de novo ao coração da vida sacerdotal; e o de um renovado impulso na missão evangélica que nos foi confiada. Gratidão de alegria pelo dom do sacerdócio O primeiro sentimento que deve encher o nosso coração é o de uma extraordinária gratidão ao Senhor pelo dom do sacerdócio: uma gratidão que se torna louvor ao Pai, fonte de todos os dons. O louvor de exultação ao Pai abre e faz vibrar todo o cântico de júbilo de Jesus: “Eu Te bendigo ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque revelaste estas coisas aos pequeninos”! “Eu te bendigo” significa “ eu te agradeço, te louvo, te exalto, te confesso”. A referência ao Pai (Abbá) proclama a sua infinita ternura de amor, a sua condescendência (o seu voltar-se para nós) cheia de afecto. E o objecto de louvor alegre é o facto de que “estas coisas” – o plano divino da salvação, o reino de Deus, o mistério de Cristo – são reveladas aos “pequenos”, aos humildes, aos simples, àqueles que são transparentes a Deus. Este é o dom, por excelência, que Deus manifesta e oferece à humanidade. E neste dom encontram lugar todos os outros dons que vêm de Deus. Também o dom do sacerdócio. Com Cristo damos graças e louvor ao Pai que no seu amor, absolutamente livre e gratuito, sem qualquer mérito nosso, nos chamou, na nossa pequenez e fragilidade, a colaborar no seu desígnio de salvação como dispensadores dos seus dons aos irmãos. Voltar de novo ao coração da vida sacerdotal Um segundo sentimento que deve caracterizar os jubileus da nossa ordenação sacerdotal é a alegria de um voltar, sempre de novo, ao coração da vida sacerdotal, enquanto vida consagrada a Deus e aos irmãos. Qual é este “coração”? Jesus responde: “Tudo me foi dado pelo meu Pai; ninguém conhece o Filho senão o Pai e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho O quiser revelar” (v. 27). Encontramo-nos perante o vértice da revelação do mistério de Deus: o Pai que nos mostra o seu rosto e nos abre o seu coração no rosto e no coração humanos do Filho, Jesus Cristo. Jesus, no seu cântico de júbilo, é a alegria do Eterno Amor. Fala de um conhecimento recíproco, isto é, de uma relação profunda, de uma comunhão íntima de vida e amor. É o mistério da Trindade, da vida íntima de conhecimento e amor entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. É este o “segredo” de Deus que o Filho quer comunicar aos simples. No desígnio divino, o homem é chamado a participar, partilhar, experimentar em si mesmo a misteriosa riqueza e beleza do Amor Trinitário. Eis o dom impensável e inimaginável que Deus quer oferecer a cada homem. “Ó admirável intercâmbio que faz com que Deus é graça e o homem acção de graças”! Este é o coração da vida cristã: ser habitados por Deus, Trindade Santíssima. Não pode ser outro o coração da vida sacerdotal. Toda a sua dignidade e beleza, todo o seu fascínio estão no ser uma existência humana que conhece o “segredo” da vida divina e faz deste segredo o sentido, o valor, o destino, a fonte e a alegria de todo o seu pensamento e sentimento, de toda a acção do seu ministério. É este o significado exacto e profundo da conhecida expressão: “O padre é um homem de Deus”. A inabitação da Santíssima Trindade em nós, Deus em nós, deve constituir o tesouro mais precioso que nos é dado a guardar, amar, adorar, viver, testemunhar! Renovado impulso na missão evangélica Um outro sentimento que deve enriquecer os nossos jubileus é o de um renovado impulso na missão evangélica que a ordenação sacerdotal nos confiou. Revelando o mistério do Pai, Jesus revela o coração misericordioso de Deus, o seu rosto de infinita misericórdia e “compaixão” pelo homem: “Vinde a mim vós todos que andais cansados e oprimidos e eu vos confortarei (darei forças)!” A nossa missão comporta dificuldades, provações, fadigas, cansaços, desilusões. Quem não sente a fadiga de viver, a fadiga do trabalho pastoral, da sementeira dura e, por vezes, árida do semeador do evangelho, os limites da idade ou da saúde, a incompreensão e os pesos a suportar? É então o momento no qual a nossa fé deve despertar e revigorar-se escutando a voz de Jesus que nos chama e assegura: “Vinde a mim e eu vos darei força... O meu jugo é suave e o meu peso é leve”. Sim, o peso do seu amor levanta quem o leva! Contudo, isto que vale para nós, deve valer também para os outros aos quais o Senhor nos envia. Se recebemos ajuda e consolação do Senhor, devemos também oferecê-las, com a nossa palavra e a nossa acção, a quantos se dirigem a nós. É assim que realizamos a missão que o Senhor nos confia. É Ele, o Senhor Jesus, que nos envolve na sua missão, que nos pede para sermos instrumentos humildes, dóceis e generosos das suas mãos e do seu coração misericordioso para com os nossos e seus irmãos cansados e oprimidos, necessitados de alívio, famintos e sedentos de consolação e força. Ir ao coração da fé: entrar no sublime conhecimento de Cristo Jesus Depois do que acabamos de meditar, compreendemos o testemunho apaixonado e vibrante que S. Paulo nos oferece da sua fé em Cristo. Paulo é um mestre e modelo para todos os pastores. Dele devemos aprender um grande amor por Jesus. Ele mesmo se define como “agarrado” por Cristo, “impelido” pelo seu amor. “A sua fé é o ser alcançado pelo amor de Jesus Cristo, um amor que o toca no mais íntimo e o transforma. A sua fé não é uma teoria, uma opinião sobre Deus e sobre o mundo. A sua fé é o impacto do amor de Deus no seu coração. E assim esta fé é amor por Jesus Cristo” (Bento XVI). Comove-nos, de facto, o amor de Paulo por Jesus precisamente pela sua intensidade. Era tão forte e vivo que o levava a exclamar: “Considero tudo uma perda frente ao sublime conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor”. Com este testemunho, Paulo convida-nos a ir ao coração da fé, a pôr Cristo no centro da nossa vida, a construir sobre Ele a nossa existência apostólica. A graça que pedimos, nesta Eucaristia jubilar, é entrar cada vez mais no “sublime conhecimento de Cristo”, segundo as palavras de Paulo, de conhecer o poder da sua ressurreição, participando nos sofrimentos do seu amor pela humanidade. Não sabemos como serão os tempos novos que o Espírito nos reserva; como serão os tempos novos que nós mesmos, com a nossa vida e o nosso testemunho, preparamos para o futuro. Sabemos, sim, que o Senhor nos chama a viver este nosso tempo – “de noite da fé”, de eclipse cultural de Deus – como tempo providencial para ir ao essencial, ao coração da fé, para reencontrar a autenticidade da fé, para crer mais e crer melhor. Nossa Senhora nos acompanhe no caminho, ajudando-nos a viver na escuta da Palavra, na adesão pronta e total à acção do Espírito e no canto incessante de louvor: “A minha alma engrandece o Senhor e o meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador”! Ámen! Aleluia! Igreja da Santíssima Trindade, Fátima, 25 de Setembro de 2008 + António Marto, Bispo de Leiria-Fátima |