A Peregrinação Internacional de Agosto é presidida por D. Alessandro Carmelo Ruffinoni, Bispo Auxiliar de Porto Alegre, Brasil, e responsável pela Pastoral dos Brasileiros no Exterior.
Na noite do dia 12, a Eucaristia das celebrações da vigília foi presidida por D. António Vitalino Dantas, Bispo de Beja e presidente da Comissão Episcopal da Mobilidade Humana.
Aos milhares de peregrinos presentes no Santuário de Fátima, D. Vitalino afirmou, durante a homilia, que "aqui, junto da Mãe de Jesus, viemos fortalecer a nossa esperança, a nossa fé e caridade, para sabermos viver em paz e em comunhão com todos os nossos irmãos, sejam eles da nossa família ou de outros países, e que em Portugal procuram o que não encontraram noutra parte. Connosco eles querem contribuir para o desenvolvimento da Europa e do nosso pais, que, apesar da tragédia do desemprego crescente, já não consegue subsistir sem o contributo dos imigrantes. A redução da natalidade entre nós deixou muitas aldeias desertas e muitos sectores da vida social e laboral sem as forças activas necessárias."
O prelado rezou também pelo aumento do número de vocações, entre os filhos dos emigrantes.
"Temos que contribuir para que entre os filhos dos emigrantes surgem as vocações sacerdotais necessárias à vida da Igreja onde residem e trabalham. Aqui e acolá vão aparecendo algumas, mas ainda estamos muito dependentes da ajuda exterior. Por isso, reunidos em oração neste santuário bendito, rezemos pelos nossos missionários, testemunhas do Evangelho nas várias partes do mundo onde se encontram emigrantes de língua portuguesa, mas rezemos também pelas vocações sacerdotais entre os próprios filhos dos emigrantes.", disse.
HOMILIA NA ÍNTEGRA:
Missa pela Paz e pela Justiça
Peregrinação internacional dos Migrantes a Fátima
Homilia da Missa da Vigília, 12.08.2009
LEITURAS:
1. 1ª leitura: Is 32, 15-18:
15Uma vez mais virá sobre nós o espírito do alto.
Então o deserto se converterá em pomar,
e o pomar será como uma floresta.
16Na terra, agora deserta, habitará o direito,
e a justiça no pomar.
17A paz será obra da justiça,
e o fruto da justiça será a tranquilidade
e a segurança para sempre.
18O povo de Deus repousará numa mansão serena,
em moradas seguras e em lugares tranquilos.
2. 2ª leitura: Tiago 3, 13-14.17:
13Existe alguém entre vós que seja sábio e entendido? Mostre, então, pelo seu bom procedimento, que as suas obras estão repassadas da mansidão própria da sabedoria. 14Mas, se tendes no vosso coração uma inveja amarga e um espírito dado a contendas, não vos vanglorieis nem falseeis a verdade. 15Essa não é a sabedoria que vem do alto, mas é a terrena, a da natureza corrompida, a diabólica. 16Pois, onde há inveja e espírito faccioso também há perturbação e todo o género de obras más. 17Mas a sabedoria que vem do alto é, em primeiro lugar, pura; depois, é pacífica, indulgente, dócil, cheia de misericórdia e de bons frutos, imparcial, sem hipocrisia; 18e é com a paz que uma colheita de justiça é semeada pelos obreiros da paz.
3. Evangelho: Jo 14, 23-29:
22Perguntou-lhe Judas, não o Iscariotes: «Porque te hás-de manifestar a nós e não te manifestarás ao mundo?» 23Respondeu-lhe Jesus: «Se alguém me tem amor, há-de guardar a minha palavra; e o meu Pai o amará, e Nós viremos a ele e nele faremos morada. 24Quem não me tem amor não guarda as minhas palavras; e a palavra que ouvis não é minha, mas é do Pai, que me enviou.» 25«Fui-vos revelando estas coisas enquanto tenho permanecido convosco; 26mas o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, esse é que vos ensinará tudo, e há-de recordar-vos tudo o que Eu vos disse.»
1. Virá sobre nós o espírito do alto. Então o deserto se converterá em pomar, e o pomar será como uma floresta (Is 32, 15), assim nos falou Deus através do profeta Isaías, na primeira leitura desta Missa pela paz e pela justiça.
Amados peregrinos, estamos aqui neste lugar sagrado da Cova da Iria, vindos de muitos pontos da terra, formando uma assembleia orante, convocada pela fé e pela devoção a Maria, a Senhora de Fátima, a Mãe de Jesus e nossa Mãe também. Somos um povo em mobilidade, que não resigna perante as dificuldades e a aridez de muitos ambientes, mas procura transformar o deserto de uma sociedade egoísta e injusta em pomar frondoso, onde há frutos suficientes para todos viverem, reinando aí o direito e a justiça, dos quais brotam como frutos apetecíveis a paz, a segurança e a tranquilidade. Que belas promessas feitas a um povo oprimido, a viver no exílio, longe da sua terra natal! Quem não anseia estes dons para a sua vida? Mas também quem não constata à sua volta a falta de tudo isso? Quem não verifica constantemente pessoas, grupos e até povos inteiros a cair nos caminhos da vida, vítimas das injustiças, do egoísmo, da fome e das guerras?
De vez em quando, a nossa comunicação social alerta-nos para estas injustiças. Ainda estes dias, na minha diocese, distrito de Beja, alertava para emigrantes aqui a trabalhar e a viver, em condições de escravatura, explorados por máfias sem consciência e também por empregadores desejosos apenas do seu proveito material.
O nosso mundo poderia ser um pomar com frutos suficientes para todos, se nos deixássemos inundar pelo Espírito que Jesus prometeu aos Apóstolos e que enviou sobre eles no Pentecostes e também sobre nós, quando nos convertemos, escutamos e seguimos a Palavra de Jesus, o Evangelho, a Boa nova de salvação para todos os que peregrinam a caminho do Reino de Deus, que é uma semente sempre a ser lançada à terra e uma sementeira sempre em crescimento, mas onde também cresce muito joio, muitas ervas daninhas, que retiram a força às boas plantas e as impede de dar fruto abundante para todos.
2. Viemos aqui a este lugar abençoado fortalecer as nossas mãos débeis, robustecer os nossos joelhos vacilantes, animar o nosso coração pusilânime, para podermos continuar o nosso caminho, o nosso crescimento, e não nos deixarmos abafar pelas forças do mal. Esta peregrinação de Agosto, dedicada aos migrantes e refugiados, é, mais que qualquer outra, um sinal concreto da mensagem do profeta Isaías. Aqui estamos para receber a força de Deus.
Hoje, mais que nunca, vivemos num mundo em constante mobilidade e, mesmo aqueles que aguentam permanecer nas suas aldeias, partilham das alegrias e tristezas, esperanças e desânimos dos seus vizinhos ou familiares que se puseram a caminho à procura de melhores condições de vida ou até mesmo da liberdade, que, por diferentes razões, lhes era negada na sua terra natal.
Nesta Vigília da nossa peregrinação estamos a celebrar a Missa votiva pela paz e pela justiça, dons necessários para que haja verdadeiro crescimento e desenvolvimento. Quando elas faltam, o progresso não é possível ou sê-lo-á apenas para alguns, aumentam as desigualdades, o fosso entre ricos e pobres torna-se cada vez mais profundo, o pomar dos ricos sobranceia com o deserto de grande parte da humanidade. Aqui surgem a inveja, o descontentamento e até a revolta, que minam a paz, a tranquilidade e a segurança de todos. Já S. Tiago, de que escutámos um trecho na segunda leitura, nos advertia neste mesmo sentido. Passados dois mil anos parece que ainda não aprendemos muito. Na sua recente encíclica sobre o desenvolvimento integral da pessoa humana e da humanidade com o título de Caridade na Verdade, o Santo Padre Bento XVI apontava também estas e outras causas que impedem a construção de uma sociedade justa e dão origem a muitas crises, sendo a financeira e económica a última a assolar o nosso mundo globalizado.
3. Como poderemos vencer estas crises que assolam a humanidade? Estamos todos condenados à falência, ao fracasso? Ou temos possibilidade de as superar?
Aqui estamos, amados peregrinos, para agradecer a Deus, por intermédio de Maria, a sua protecção no meio de uma sociedade egoísta e corrupta e também para pedir-lhe que continue a enviar sobre nós o Espírito do alto, que nos faz compreender toda a mensagem de Jesus, que nos dá a verdadeira sabedoria, para vencermos a mentira e a injustiça dos nossos ambientes, quem sabe se mesmo dentro da nossa própria família! Quantas vezes temos desavenças, contendas e querelas nos tribunais, por nos sentirmos vítimas das injustiças daqueles com quem vivemos ou então para tentarmos impor a nossa vontade aos outros?
Precisamos de nos abrir ao Espírito de Jesus. A conversão, a oração, aqui pedida e recomendada por Nossa Senhora aos três Pastorinhos de Fátima, ajudar-nos-ão a acolher a Boa Nova do Reino de Deus e a partilhá-la com os nossos semelhantes. Não desistamos de rezar pela nossa conversão e pela de todos os pecadores. A oração abre o nosso coração ao amor, à verdade que nos liberta. A nossa oração, aqui unida à de muitos irmãos nossos, mas sobretudo em uníssono com a de Jesus na celebração da Eucaristia, será a arma que vencerá as divisões e injustiças deste mundo. Este é um milagre que sempre acontece quando cumprimos os pedidos de Nossa Senhora, como outrora nas bodas de Cana (fazei o que Ele vos disser) e há 92 anos, em 1917, quando aconteceram as aparições e reinava o flagelo da primeira guerra mundial. Com esta arma também nós venceremos as crises e as guerras de hoje.
4. A este propósito cito a Mensagem de Bento XVI para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, apresentando S. Paulo como modelo de evangelizador e de construtor de uma nova sociedade, onde todos vivem como irmãos, sem discriminação de pessoas e que constitui também o tema desta peregrinação: Guiado pelo Espírito Santo, S. Paulo prodigalizou-se sem reservas para que fosse anunciado a todos, sem distinção de nacionalidade e de cultura, o Evangelho que é «poder de Deus para a salvação de todos os fiéis... Nas suas viagens apostólicas, não obstante as reiteradas oposições, proclamava primeiro o Evangelho nas sinagogas, chamando a atenção sobretudo dos seus compatriotas na diáspora (cf. Act 18, 4-6). Se eles o rejeitavam, dirigia-se aos pagãos, fezendo-se autêntico «missionário dos migrantes», ele mesmo migrante e embaixador itinerante de Jesus Cristo, para convidar todas as pessoas a tornarem-se, no Filho de Deus, «novas criaturas» (2 Cor 5, 17).
5. Nesta meditação da Missa da Vigília da Peregrinação Internacional dedicada aos Migrantes e Refugiados convosco, amados peregrinos, peço a Deus, por intercessão de Nossa Senhora de Fátima, para que surjam entre as comunidades emigrantes as vocações sacerdotais necessárias ao seu desenvolvimento humano integral, do qual faz parte a relação com Deus, que precisa de ser alimentada com a Palavra de Jesus Cristo e com o Pão do Céu, que é Ele próprio e que se torna presente na celebração da Eucaristia, dom da Vida de Jesus para a vida do mundo. Peçamos a Deus este alimento que vem do alto e para cuja recepção precisamos da mediação da Igreja e dos seus sacerdotes. Sem Eucaristia, sem o Pão do Céu, em vão lutaremos pelo progresso. Este nunca será integral e capaz de saciar a fome do ser humano, feito para o eterno.
Estamos num Ano sacerdotal. Continuamente nos chegam pedidos de sacerdotes para acompanharem os nossos emigrantes nas várias partes do mundo e nem sempre temos capacidade de resposta, porque as nossas dioceses também não têm suficientes para as suas necessidades, No entanto não podemos limitar-nos a pedir ajuda. Temos que contribuir para que entre os filhos dos emigrantes surgem as vocações sacerdotais necessárias à vida da Igreja onde residem e trabalham. Aqui e acolá vão aparecendo algumas, mas ainda estamos muito dependentes da ajuda exterior. Por isso, reunidos em oração neste santuário bendito, rezemos pelos nossos missionários, testemunhas do Evangelho nas várias partes do mundo onde se encontram emigrantes de língua portuguesa, mas rezemos também pelas vocações sacerdotais entre os próprios filhos dos emigrantes.
6. Aqui, junto da Mãe de Jesus, viemos fortalecer a nossa esperança, a nossa fé e caridade, para sabermos viver em paz e em comunhão com todos os nossos irmãos, sejam eles da nossa família ou de outros países, e que em Portugal procuram o que não encontraram noutra parte. Connosco eles querem contribuir para o desenvolvimento da Europa e do nosso pais, que, apesar da tragédia do desemprego crescente, já não consegue subsistir sem o contributo dos imigrantes. A redução da natalidade entre nós deixou muitas aldeias desertas e muitos sectores da vida social e laboral sem as forças activas necessárias.
A comunidade dos irmãos brasileiros é a mais numerosa entre nós. Por isso convidámos para presidir à peregrinação deste ano o nosso colega no episcopado D. Alessandro Carmelo Ruffinoni, encarregado, a nível da Conferência Episcopal do Brasil, dos emigrantes brasileiros, o maior país da América Latina e um dos maiores do mundo e que fala a nossa língua. Sabendo que muitos portugueses encontraram estabilidade pessoal e familiar no Brasil, sejamos hoje também agradecidos a Deus pelo bem que os nossos antepassados encontraram nesse grandes pais. E a gratidão mostra-se no acolhimento, na hospitalidade, nas relações fraternas, fazendo do imigrante um membro da nossa família humana.
Que Nossa Senhora de Fátima interceda por todos nós, para que nos tornemos numa grande família de irmãos, sem discriminações nem acepção de pessoas, não apenas aqui em Fátima, mas em todo o lado onde vivemos e trabalhamos. Que esta peregrinação seja um forte impulso no aprofundamento dos laços fraternos e na construção da família humana, onde não há senhores e escravos, cidadãos e estrangeiros, mas só concidadãos e peregrinos, de mãos dadas e corações unidos, a caminho da Jerusalém celeste, a pátria definitiva, de que esta assembleia litúrgica é um grande sinal. Ámen!
† António Vitalino, Bispo de Beja
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