13 de novembro, 2020
“Neste barco estamos todos”Um olhar sobre a relação entre Fátima e o sofrimento do Papa a partir da pandemia
Nas aparições de Fátima, segundo os relatos de Lúcia, a Virgem profetizou, a 13 de julho de 1917, que o Santo Padre teria muito que sofrer. Nessa terceira aparição, na qual a vidente incluiu a revelação de um segredo com diversas visões, numa delas, as três crianças viram “um bispo vestido de branco”, que presumiram ser o Santo Padre, a subir “uma escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz”, tendo antes de atravessar “uma grande cidade meia em ruínas” e que, “meio trémulo com andar vacilante, acabrunhado de dor e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho”. A terceira parte do Segredo de Fátima, estudada e revelada a pedido de São João Paulo II, que encontrou nela uma sintonia perfeita entre o que foi narrado por Lúcia e a sua própria história pessoal (sobretudo depois do atentado de que foi alvo a 13 de maio de 1981), interpela-nos indiscutivelmente sobre a ligação entre Fátima e os Papas. O próprio Comentário Teológico desenvolvido por Joseph Ratzinger, ainda Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, em 2000, que acompanha a revelação do Segredo na Cova da Iria, sublinha fundamentadamente esta íntima ligação que foi atualizada, numa perspetiva mais genérica, quando Bento XVI visitou Portugal, em 2010, e afirmou que a missão de Fátima ainda não estava “concluída”, lembrando a história bíblica de Caim e Abel para falar sobre a violência na humanidade: “Vim a Fátima para rezar, com Maria e tantos peregrinos, pela nossa humanidade acabrunhada por misérias e sofrimentos”. Durante a bênção, o Papa disse que “a consolação do amor solidário de Deus” se propaga “em todo o sofrimento”. “Como vedes, o Papa precisa de se abrir cada vez mais ao mistério da Cruz, abraçando-a como única esperança e derradeiro caminho para ganhar e reunir no Crucificado todos os seus irmãos e irmãs em humanidade”, disse ainda. No dia 27 de março, em plena Quaresma, Francisco volta a remeter-nos para “o bispo vestido de branco” e para essa memória de Lúcia sobre a Terceira Aparição. Francisco percorreu sozinho a Praça de São Pedro, debaixo de uma chuva torrencial ao cair da noite, transportando o mundo às costas, também ele surpreendido por “uma tempestade inesperada e furibunda”. “Demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados, mas ao mesmo tempo importantes e necessários: todos chamados a remar juntos, todos carecidos de mútuo encorajamento. E, neste barco estamos todos”. E prosseguiu: “Com a tempestade, caiu a maquiagem dos estereótipos com que mascaramos o nosso eu, sempre preocupado com a própria imagem; e ficou a descoberto, aquela pertença comum a que não nos podemos subtrair: a pertença como irmãos”. Naquela tarde, o Papa, sucessor de Pedro, foi o “bispo vestido de branco”, que voltou a abraçar a cruz, no meio da angústia e da adversidade em que “densas trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades, se apoderaram das nossas vidas”, e que a partir dela confiou a humanidade a Deus, lembrando que é na conversão que está o caminho da salvação. “A oração e o serviço silencioso são as nossas armas vencedoras”, disse Francisco. Ao mesmo tempo, o “bispo vestido de branco”, na sua fragilidade humana, fez-se o grande missionário da consolação de Deus: “O Senhor interpela-nos e, no meio da nossa tempestade, convida-nos a despertar e a ativar a solidariedade e a esperança, nestas horas em que tudo parece naufragar [...]. Temos uma âncora: na sua cruz fomos salvos. Temos um leme: na sua cruz fomos resgatados. Temos uma esperança: na sua cruz fomos curados”.
(Fátima Luz e Paz, Ano 18, N.º 67, 13 de novembro de 2020) |