04 de junho, 2015


“Está em causa acolher a chamada e os dons de Deus
como interpelação ao projeto pessoal de vida”
Inscrições Online
Programa
Aproxima-se, no final deste mês, a realização do simpósio teológico-pastoral, “Santificados em Cristo”, que pretende contribuir para o aprofundamento da reflexão sobre o tema da santidade na vida da Igreja e na vida dos crentes.
A propósito desta iniciativa, agendada para entre 19 a 21 de junho, os jornais “Voz da Fátima” e “Presente” convidaram José Eduardo Borges de Pinho, presidente da Comissão Organizadora, a dar uma entrevista conjunta, para apresentação do programa e para um primeiro percurso reflexivo pelos principais temas.
As inscrições para participação neste simpósio promovido e organizado pelo Santuário de Fátima, sob a coordenação científica da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa, na pessoa do professor José Eduardo Borges de Pinho, mantem-se abertas e podem ser feitas até 17 de junho através do contacto com Secretariado Organizador, no Santuário de Fátima.
O Simpósio Teológico-Pastoral de 2015 apresenta um tema nuclear da teologia, com possibilidades de reflexão que abarcam todo o mistério da relação entre Deus e o homem. Qual é o pilar ou o objetivo primordial do programa deste simpósio sobre a “santidade cristã”?
Com o tema escolhido para o Simpósio – em consonância com o tema do presente Ano Pastoral no Santuário de Fátima: “Santificados em Cristo” –está-se a apontar nuclearmente para o Mistério de Deus em si mesmo e seu amor benevolente e misericordioso para connosco, que nos convida e capacita para uma plenitude de vida humana, a ir realizando nos caminhos limitados e frágeis da história, mas sempre na esperança da sua consumação definitiva junto do mesmo Deus. Só se pode falar de santidade na perspetiva cristã a partir do amor salvífico de Deus em Jesus Cristo e na força do seu Espírito, amor de Deus que transborda para a história do mundo, na liberdade e responsabilidade de histórias de vidas de pessoas que O acolhem. Recordo que a experiência básica na história da salvação testemunhada pela Bíblia é precisamente a consciência do “Deus Santo” que santifica, que torna possível a fidelidade humana. Ser cristão é saber-se “santificado em Cristo”, quer dizer, chamado, vocacionado a realizar a sua vida humana no seguimento de Jesus e do seu Evangelho como caminho e horizonte de plena realização humana. Quando os primeiros cristãos se autodenominavam “os santos” queriam expressar precisamente essa consciência de uma chamada, de uma eleição que os “escolheu” e “separou” para caminhos de fidelidade no amor a Deus e ao próximo.
Sendo um tema normalmente mais conotado com a vertente da espiritualidade, o que se pode esperar de uma abordagem mais teológica e pastoral?
A tendência a conotar santidade com espiritualidade pode exprimir algo de muito certo, mas também estar imbuída de alguns equívocos. Tudo depende do que se entende por “espiritualidade” e “santidade”.
Esses equívocos podem acontecer, por exemplo, se se compreende “espiritualidade” como algo de particular em termos de piedade e de expressões formalmente religiosas, ou se se entende “santidade” como a realização de ações heroicas e extraordinárias que ultrapassam aquilo que é o comum viver humano. Na verdade, “espiritualidade” é todo um modo de viver, toda uma atitude global da pessoa crente que procura estar aberta à ação de Deus no seu Espírito e nesse dinamismo concretiza a existência cristã, o que naturalmente pode acontecer sob diversas formas (desde situações de vida a expressões de vivência espiritual, etc.). Por outro lado, “santidade de vida” não é um agir especial de um qualquer “super-homem” ou uma qualquer “supermulher”, mas, antes de mais, a autenticidade humana e a fidelidade cristã vividas no quotidiano e suas vicissitudes. Ou seja: qualquer atitude verdadeiramente crente é concretização de espiritualidade e caminho de possível santidade.
Nesta perspetiva, a dimensão teológico-pastoral do Simpósio visa precisamente dar um horizonte mais amplo e profundo ao modo como estes temas são, por vezes, vistos e abordados. Isto é, trata-se de explicitar como todas as dimensões da existência cristã – desde as raízes da sua própria compreensão ao modo como procura corresponder à sua vocação e às suas tarefas de cada dia, desde a responsabilidade pessoal inalienável à consciência comunitária de ser membro da comunidade eclesial, desde a atitude orante à responsabilidade social e política – podem, devem ser marcadas por horizontes de santidade.
De que modo a estrutura temática sugerida – dom de Deus, resposta humana, transformação do mundo – poderá contribuir para atingir esses objetivos?
A estrutura temática escolhida procura exprimir três vertentes fundamentais, inseparáveis, na consciência e na prática da santidade cristã, enraizada no seguimento de Jesus e seu Evangelho. Antes de mais, pretende-se sublinhar a força motriz de tudo: o Mistério de Deus que, em Jesus, manifesta a santidade divina como amor salvífico, misericordioso, permanente. A santidade não é nunca uma conquista de alguém, que “merece” o reconhecimento de Deus e como que O “obriga” a olhar para a bondade do seu viver. Bem pelo contrário: santidade é sempre, radicalmente, fruto do amor gratuito de Deus, é dom de graça que capacita alguém a encontrar, nas circunstâncias próprias da sua existência, caminhos de fidelidade ao amor de Deus que nos interpela a amar os outros, a ir construindo um mundo mais humano, à luz do plano de Deus para a humanidade. Já Santo Agostinho expressou de forma lapidar esse dado fundamental da experiência cristã: “Quando Deus coroa os nossos méritos, não coroa outra coisa senão os seus próprios dons”.
A segunda vertente estrutural do Simpósio reflete sobre a dimensão da santidade como resposta humana a que, em liberdade e responsabilidade, cada crente é chamado a dar na sua própria história de vida. Exemplificando com a Virgem Maria: se a santidade de Maria é fruto do amor gratuito de Deus que a escolheu de modo singular no seu plano salvífico, o seu “sim” (o “sim” de toda uma vida) é indispensável para que esse plano salvífico se realizasse. É o que acontece, estruturalmente, com cada um de nós.
Finalmente, a terceira vertente salienta a transformação do mundo que decorre da santidade de vida. A história mostra isso de forma iniludível na vida de muitos santos que foram reconhecidos ao longo dos tempos. Mas não há dúvida – e, se estivermos atentos, vemos isso – a santidade “anónima” (Jon Sobrino chama-lhe “santidade primordial”, sobretudo quando referida a situações-limite), em correspondência à fé recebida, exprime-se em frutos de santidade que vão transformando o mundo, como interpelação aos critérios de vida e como questionamento das estruturas que envolvem e condicionam o viver humano.
Aparentemente, o adjetivo “cristã” parece ser dispensável, dada a conotação usual da palavra “santidade”. Sugere-se a possibilidade de outras “santidades” não cristãs para uma leitura do específico cristão, ou é apenas o reforçar da centralidade de Cristo nesta reflexão?
O uso do adjetivo “cristã” não é inútil: pretende sublinhar, antes de mais, a referência indispensável a Jesus Cristo e seu Evangelho como plenitude da revelação de Deus na história e expressão última e definitiva do Mistério de Deus, da sua santidade (também pode dizer-se: do seu amor indefetível) que interpela a nossa humanidade.Com o Novo Testamento, Jesus Cristo pode ser designado como “o Santo de Deus em sentido absoluto”, pois tornou-se “o homem perfeito” e, assim, “em medida da santidade” (W. Beinert). Na mesma linha, o Concílio fala de Jesus Cristo como “mestre e modelo divino de toda a perfeição” (cf. LG, nº 40). É fundamental, pois, tomar consciência renovada de que somos santificados em Cristo e na força do seu Espírito, que é também o Espírito do Pai. A santidade só se entende – repito – como seguimento de Jesus no amor a Deus e ao próximo.
Assente isto, importa também reconhecer que houve e há vivências de santidade que – na própria compreensão das pessoas em causa ou nas expressões visíveis do seu modo de concretização – podem não ser reflexa e conscientemente “cristãs”. A história das religiões e da própria humanidade em geral dão-nos inúmeros exemplos disso. Se santidade tem como vetor nuclear a realização o mais plena possível da própria humanidade na abertura ao Mistério de Deus, à luz da própria consciência e nas circunstâncias históricas concretas de cada situação, houve/há certamente pessoas que em todos os tempos e lugares foram/são santas, isto é, fiéis ao que Deus lhes pediu/pede como seres humanos na sua própria história de vida. Para nós, cristãos, isso acontece e é possível pela ação do Espírito Santo que toca os seus corações, mesmo para além das fronteiras da Igreja. É o que o Concílio claramente sugere num dos seus textos mais notáveis – Gaudium et Spes, nº 22 -, sendo certo também que essa ação do Espírito possibilita, existencialmente e “de um modo só de Deus conhecido”, uma participação no mistério pascal de Jesus Cristo.
É comum associar-se o conceito de santidade a uma certa mansidão, paz e humildade, embora o exemplo de vida de muitos santos seja marcado pela irreverência e inquietação, mesmo a nível espiritual, e por um radical comprometimento na transformação do mundo. Como se podem conciliar estas duas perspetivas?
Creio que, à partida, não se trata de perspetivas divergentes, mas de aspetos que, existencialmente, podem estar em tensão na vida concreta das pessoas, sem se contradizerem, conforme as situações históricas em que cada pessoa é chamada a viver e as interpelações que essas situações colocam. Mas duas coisas são claras.
Em primeiro lugar, palavras como “mansidão”, “paz”, “humildade” (e outras mais) sugerem algo de evangélico, apontam para o espírito das Bem-aventuranças, para um estilo de vida cristã que não se deixa pautar pelos critérios aparentemente mais “poderosos” do mundo. As Bem-aventuranças, como expressão-síntese da novidade de coração e de atitudes que o Reino de Deus anunciado por Jesus acolhe e possibilita, têm tudo a ver com o que reconhecemos como “santidade”: de facto, a santidade ressalta na simplicidade e verdade de vida; na generosidade e pobreza com que alguém se doa aos outros; na mansidão com que se enfrentam as agruras e contradições da vida, eventualmente as hostilidades alheias; na bondade que penetra no coração do outro; na preocupação pela justiça em tudo quanto nos envolve e relaciona com o próximo; na busca da paz, mesmo quando o caminho de êxito mais imediato parece ser o da violência. Quando na vida de uma pessoa há de algum modo fidelidade ao espírito das Bem-aventuranças, ressaltam aí certamente sinais de audácia e coragem, capacidade criativa, questionamento do estabelecido e dos critérios dominantes de vida.
Mas há um segundo aspeto que importa não esquecer. Nada do que se acaba de referir permite a confusão entre “bondade de coração” e “ser bonzinho” (no sentido algo negativo que conota esta expressão). Santidade pede fidelidade, coragem, atitudes proféticas, contradição das injustiças presentes no mundo, capacidade de luta contra o pecado estrutural, etc., etc.
No fundo, é um convite à perfeição, a imitar a perfeição de Deus. Até que ponto pode ser proposto esse caminho como possível, para quem se sente permanentemente confrontado com as suas imperfeições, incapacidades e pecados?
Numa das suas intuições e afirmações mais marcantes, o Concílio Vaticano II falou, abrindo horizontes até aí fechados por mentalidades elitistas e critérios eclesiásticos estreitos, de “vocação universal à santidade”: “É, pois, claro a todos, que os cristãos de qualquer estado ou ordem são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade” (LG, nº 40). E no número seguinte lê-se: “Todos os fiéis se santificarão cada dia mais nas condições, tarefas e circunstâncias da própria vida e através de todas elas, se receberem tudo com fé da mão do Pai celeste e cooperarem com a divina vontade, manifestando a todos, na própria atividade temporal, a caridade com que Deus amou o mundo (LG, nº 41).
Nesta ordem de ideias, ninguém, quaisquer que sejam as circunstâncias da sua vida – mais fáceis ou mais difíceis, mais “sagradas” ou mais “profanas” (para usar uma terminologia tradicional, mas completamente inadequada…) –, está excluído da possibilidade concreta de “ser santo”, isto é, da possibilidade de realizar plenamente a sua humanidade na fidelidade a Deus e na doação aos outros homens e mulheres. Por isso – não é inútil lembrá-lo – a “Solenidade de Todos os Santos” – ou seja, a celebração da santidade quotidiana e anónima, só de Deus conhecida, mas verdadeiramente decisiva na vida e no testemunho da Igreja –, é e não pode deixar de ser uma grande festa cristã (mesmo tendo deixado de ser dia feriado!). É “grande” pela sinalização dessa universalidade que questiona pretensos privilégios de situação ou estado de vida e pela afirmação de uma “comunhão dos santos” que suporta, na esperança, a vivência da Igreja em todos os tempos.
Mas nada disto que acabo de dizer nega as fragilidades de todo o viver humano e a realidade do pecado, tanto em termos pessoais como nas suas expressões e nos seus reflexos comunitários. Bem pelo contrário, a consciência de que o pecado condiciona e afeta constantemente o nosso viver é um indício – direi mesmo, um indício indispensável e credível – de que se está a caminho no sentido de uma autêntica santidade. Indica-se assim, de facto, que se está consciente das nossas fragilidades, de que só é possível caminhar em frente suportados pela graça de Deus, de que se está aberto à renovação de vida e à abertura de coração que a santidade significa e pede.
De resto, não será inútil lembrar, neste contexto, que falar da “Igreja santa”, como o fazemos no Credo, não é iludir a questão do pecado e sua presença constante no viver humano, também na realidade da Igreja. Não há outra Igreja senão a “Igreja santa dos pecadores” (K. Rahner), a Igreja que peregrina no meio do mundo com limites, falhas e pecados, que muitas vezes obscurecem o seu rosto. Porque nessa consciência do pecado emerge, mais uma vez, a força da graça e a possibilidade do perdão, a possibilidade que Deus nos dá de sempre de novo recomeçarmos no nosso peregrinar na fé.
Essa proposta de construção permanente, rumo a uma perfeição só atingível “no fim dos tempos”, não se torna especialmente inviável numa sociedade como a atual, tão marcada pelo efémero, pelo imediato e pela procura de felicidade instantânea? Será que a “santidade cristã” não deixou de fazer sentido nos nossos dias, até para os cristãos?
Penso que não, admitindo embora que possa haver tempos e circunstâncias mais favoráveis ou menos favoráveis a que saibamos distinguir o essencial do acessório, o que é mais importante na busca de sentido para a vida, o que é que se exige do homem ou da mulher verdadeiramente crentes. O que pode ter deixado de fazer sentido são certas formas de entender a santidade cristã, por vezes confundida com “uma espécie de artística da fé” (W. Beinert) por parte de pessoas invulgares, com a multiplicação de formas de piedade e de religiosidade alheias à vida real, com atitudes de vida concentradas num “sagrado” autoconstruído ou ainda com um modo de entender a santidade em jeito de “contrarrelógio” que cada um terá, meritoriamente, de cumprir sozinho. À partida, se uma pessoa procura ser fiel à proposta cristã de vida, na realização da sua vocação humana e cristã, na disponibilidade para ir percebendo e realizando o que Deus lhe pede, essa pessoa encontra-se no caminho de possível santidade, mesmo que ao lado haja muito ruído, muita superficialidade, muito interesse pelo efémero e pela banalidade. O que, mais uma vez, está em causa é acolher a chamada e os dons de Deus como interpelação ao projeto pessoal de vida, quaisquer que sejam as circunstâncias culturais e sociais que nos envolvam. 
O Santuário de Fátima tem trazido a estes simpósios, de 2011 a 2017, os temas fundamentais da Mensagem de Nossa Senhora na Cova da Iria. Quais os principais indicadores para encontrar a “santidade” entre esses tópicos?
A credibilidade da mensagem de Fátima assenta, como todos sabemos, na centralidade evangélica que dela emana. Isso ressalta, entre outros aspetos, no reconhecimento de Deus como Deus, que nunca pode ser colocado ao nível das nossas ideias e pretensões; na confiança no amor misericordioso de Deus que nunca nos abandona nos caminhos da história, por mais tortuosos que eles sejam, e, assim, vai interpelando também a nossa liberdade e responsabilidade; no apelo à conversão e mudança de vida como atitude espiritual e prática nucleares da existência cristã; na capacidade de doação aos outros e no verdadeiro amor pelos outros em todas as dimensões (também no que se respeita aos seus projetos globais de vida); na perceção da necessidade de transformar o mundo para que ele seja mais digno do homem e, assim, corresponda ao plano amoroso de Deus para a humanidade. Estes são alguns dos tópicos fundamentais que estão presentes na Mensagem de Fátima, que têm sido aprofundados na reflexão teológico-pastoral dos diversos Simpósios e que não podem faltar quando se fala em santidade cristã.
De que forma essa Mensagem e, porventura, o exemplo de vida dos Pastorinhos poderão indicar-nos alguma novidade ou pistas para uma vivência concreta da santidade anunciada e personificada em Cristo?
As “pistas” principais são, essencialmente, as que acabei de referir. Naturalmente que a experiência vivida pelos pastorinhos e a sua específica situação de vida (desde a idade a aspetos históricos, sociais, culturais e religiosos que marcaram as circunstâncias do seu viver) não são repetíveis nem imitáveis. Mas, na sequência da sua pergunta, alguns aspetos podem e devem ser sublinhados como indicativos luminosos que interpelam nessa linha e são merecedoras de imitação: por exemplo, o sentido da primazia de Deus como condição de vida humana e de verdadeira humanidade; a abertura total de coração à graça recebida; a simplicidade que se abre à perceção dos sinais de Deus; a busca de fidelidade perseverante apesar das enormes dificuldades da situação vivida.
Podemos entender a Mensagem de Fátima como um claro convite universal à santidade na vida quotidiana?
Creio que sobre isso não há qualquer dúvida. Passa por aqui mesmo o aspeto decisivo da atualidade da Mensagem de Fátima. Uma Mensagem que, nesse sentido precisamente, não consta apenas de palavras e gestos passados que se pretende lembrar. Importa ter presente, também ou até sobretudo, o significado, as repercussões que o acolhimento da Mensagem de Fátima tem tido ao longo destes quase cem anos. Importa igualmente olhar para a realidade atual: tudo quanto, de diversos modos, se propõe no Santuário de Fátima (e acontece nele e para além dele!) tem como horizonte primordial a sinalização de que a santidade como fidelidade aos dons e interpelações de Deus passa pelo quotidiano das nossas vidas. Estamos, verdadeiramente, a falar de algo “só de Deus conhecido”.
Qual espera que seja o contributo deste simpósio para a difusão desse apelo e para que os cristãos possam ser mais santos?
O Simpósio é apenas um momento de reflexão que pode ajudar os participantes a aprofundarem dimensões importantes da sua própria experiência de fé e da vocação a que somos chamados como cristãos. Como disse no princípio, o Simpósio integra-se, e só assim faz sentido, em tudo o que o Santuário de Fátima tem vindo a fazer ao longo do ano, e é – só pode ser – uma iniciativa num grande conjunto de ofertas e propostas. Mesmo assim, atrevo-me a sublinhar três dimensões da vida cristã que, se o Simpósio as conseguir tornar mais explícitas como interpelação e ajudar a que demos passos (pequenos que sejam!) nesse sentido, podem ser um bom contributo.
Em primeiro lugar, volto a sublinhar a perceção – essencial para a vida cristã e seus frutos – que a santidade radica na abertura fiel ao amor de Deus, seus dons e seus apelos. A grande tarefa cristã assenta nessa disponibilidade fundamental para “deixar Deus ser Deus”, para o reconhecer como tal e caminhar ao longo da vida nesta abertura radical de coração. Isso implica a disponibilidade para sempre de novo reexaminarmos as nossas ideias (por vezes demasiado humanas!) acerca do Mistério de Deus.
Em segundo lugar, destaco o amadurecimento e o fortalecimento da convicção cristã, acentuada pelo Vaticano II, de que a vocação à santidade é universal, não exclui ninguém à partida. Desde logo, se tomássemos isso mesmo a sério, teríamos outra sensibilidade, abriríamos mais os olhos na atenção a expressões de santidade de vida que existem no nosso quotidiano, mesmo ao nosso lado. E deixaríamos de cair em atitudes religiosas elitistas que nada têm a ver com o que Deus nos pede.
Por fim, aponto a importância fundamental de se crescer na convicção de que, de facto, a santidade é que transforma o mundo. Não seríamos hoje o que somos – apesar de todos os limites, falhas, pecados e sempre de novo possíveis retrocessos que nos acompanham – se não tivéssemos antes de nós, por detrás de nós figuras marcantes – umas em termos históricos e publicamente reconhecidas, outras desconhecidas, talvez mesmo nas nossas casas ou nos nossos meios de vida – que pela sua santidade contribuíram e contribuem de algum modo, por vezes bem significativo, para a transformação deste mundo. A santidade diz sobretudo que a construção humanizadora do mundo não pode alhear-se do acolhimento de Deus.
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