24 de junho, 2011

Adorar Deus em espírito e verdade - Adoração como acolhimento e compromisso
Simpósio teológico-pastoral 24 a 26 de Junho de 2011
Santuário de Fátima – Capela da Morte de Jesus – Igreja da Santíssima Trindade

Memória do percurso
O simpósio cumpriu os objectivos a que se propôs, ainda que não todos. Não houve grande tempo para o diálogo nem foram colocadas muitas questões, ao contrário de outras ocasiões. A densidade das comunicações e talvez a pressão do tempo isto justifiquem. As reflexões privilegiaram do sub-título quase sempre o acolhimento da adoração, e insistiu-se pouco no compromisso não apenas no compromisso com a adoração mas insistiu-se pouco no compromisso que resulta da adoração. Apenas as comunicações do reitor (que por falta de tempo só aludiu a isso), do prof. Borges de Pinho (que tratou a questão no âmbito eclesial) e a homilia do sr. D. António Marto é que efectivamente se preocuparam com esta perspectiva. Logo não ficou esquecida.
O simpósio por causa disto tinha pedido à Irmã Lameiro que mostrasse como se adora concreta e comprometidamente. A sua ausência por motivos de doença foi uma lacuna. O convite dirigido à Irmã Graça Lameiro surgiu precisamente da necessidade de colmatar esta lacuna para deixar vir ao de cima a incidência pública do compromisso adorante a partir do seu testemunho de vida pessoal.
Sexta-feira, 24 Junho de manhã
O bispo da diocese de Leiria-Fátima D. António Marto deu início ao simpósio chamando a atenção para o facto de se tratar de um encontro que culmina o primeiro ano do septenário que conduzirá ao centenário. Na preparação do centenário foi escolhido o símbolo dos sete braços de um candelabro, do qual o primeiro é completado com este simpósio. D. António Marto apresentou este simpósio como um momento de voltar a reflectir sobre o primado de Deus, sobre o primado absoluto do tema “Deus” que está no centro das aparições (angélicas, marianas e cordi-marianas). O tema deste simpósio evoca isto mesmo, pois perante a beleza de Deus surge a adoração, adoração que implica uma dimensão teologal e depois humana, histórica e cósmica.
D. António Marto chamou a atenção para o contexto histórico das aparições que surgiram numa época de forte ateísmo militante e persecutório. Hoje a pós modernidade foi apresentada como um tempo de ateísmo prático, de indiferença e de idolatria. Esta foi apresentada como a grande concorrente da adoração a Deus, num tempo pós-moderno de muito nihilismo, hedonismo. D. António Marto serviu-se de Johann Baptist Metz para responder a este ambiente com a paixão por Deus. Assim, para dizer e pensar Deus hoje na cultura contemporânea é necessária a beleza, a experiência da mística quotidiana, o testemunho apaixonado de Deus e o diálogo da fé com a razão. Estas são as razões que considerou fundamentais para o próprio simpósio, que assim pretende ajudar o santuário de Fátima na sua missão espiritual e pastoral.
De seguida, o reitor do santuário – doutor Carlos Cabecinhas – justificou este simpósio no seu tema a partir das aparições do anjo, sobretudo. Inseriu também este simpósio no contexto de várias iniciativas do Santuário e do centenário, sem ser exaustivo.
Conferência I: Deus na cultura contemporânea [Arnaldo de Pinho]
O autor insistiu na leitura moderna de Nietzsche sobre Deus tematizado na chamada “morte de Deus” para que o simpósio começasse com os “pés na terra”, para que esta reflexão se posicionasse no contexto da ampla e complexa cultura contemporânea da secularização. Isto teve consequências para a crítica da fé mas também para a reconstrução da imagem de Deus. Chamou a atenção para o tema central da religião que é a adoração, tema deste simpósio. Nietzsche chamou a atenção para o facto de a cultura ocidental ter desligado a cultura dos transcendentais. Ao fazê-lo, perdeu o sentido do ser e do global. Assim, a cultura materializou tudo. A forma moderna desta materialização chama-se hoje a técnica. Chamou o conferencista a atenção para o facto de o tema deste simpósio pôr no centro o Deus santo e não o Deus ídolo. Começou por tratar a questão da cultura, hoje marcada pelo pluralismo cultural. Quando falamos de Deus na cultura contemporânea estamos a falar de Deus na Europa, porque a situação da Europa é diferenciada dos Estados Unidos.
Começou, então, por tratar a questão em ambiente europeu. Este ambiente ausentou Deus. Para tal evocou Heinrich Heine, o último grande poeta romântico alemão, que se referiu à tentativa dos ocidentais fizeram para mostrar um Deus diferente. Mas isso não conseguiu suster o avanço da secularização. Apesar de tudo, este tema foi primeiro cristão para depois ser gnóstico e filosófico. Com Hegel, este tema da morte de Deus deixou a teologia para entrar na filosofia. A kenose paulina converteu-se numa leitura da história de Deus e da história do mundo. Para Hegel, a história é uma espécie de curriculum vitae de Deus, concepção muito diferente da dogmática católica e de alguma dogmática protestante. Com Hegel começa a concepção de Deus entrando na história dos homens, contra o fixismo da escolástica. Na sequência de Lutero, que tanta influência vai ter em Marx, compreende a existência da salvação desligada de Deus em si e de Cristo em si. Chegou à conclusão que o protestantismo era a inverter, levando o cristianismo a uma experiência marxista libertadora. Deus passou a ser o amor, o amor é Deus. Assim, a mensagem central de Jesus foi usada pelo idealismo alemão para justificar ideais da liberdade e do progresso. Nietzsche percebeu que a sombra do Deus morto continua nos ideais dos valores da razão e do progresso do Iluminismo.
O prof. Arnaldo Pinho fez uma avaliação positiva da modernidade. Apresentou a leitura de Nietzsche como marcada pela categoria de “nihilismo”, categoria que classifica o nosso tempo de “tédio” ou de “vazio”. Esta categoria é uma palavra chave para analisar a cultura contemporânea. Mas o que se entende por “nihilismo”?
Para Heidegger é o movimento fundamental da história do ocidente, desde o princípio feita de busca, de pontos de chegada, de perda desses pontos e de recomeços. Devido ao cristianismo, o ocidente é a única cultura que tem o sentido da história. Isto resulta do facto de o Deus cristão não ter rosto. Logo, o Homem anda sempre à busca do rosto. A história do ocidente é uma história de noite, história da perda do ser. A desvalorização de todos os valores chegou aos fundamentos – os transcendentais. Com o nihilismo Deus aparece como supérfluo e a religião como inimiga do homem. Por isso, com a morte de Deus acabou o dado fundamental sobre o qual se construíam os fundamentos do mundo ocidental. Isto abriu o espaço da subjectividade. Esquecido o ser resta a vontade de poder e de domínio, e a própria religião como construção é vista como máscara da vontade de poder. Ora, Nietzsche não é optimista, é trágico e nostálgico. A visão de Nietzsche tem sido associada como estranha ao cristianismo. Na verdade, Nietzsche foi sobretudo um filósofo da cultura. Ora, algum catolicismo com os seus dogmas, com os seus ritos inamovíveis esqueceu o ser de Deus. E isto contribuiu para a experiência negativa de Deus. Surgiu daqui uma simpatia pelos valores místicos do cristianismo, mais franciscanos. Esta afirmação do nihilismo dentro do cristianismo tem sido objecto de muitas discussões. Ora, o Deus da relação não se deixa aprisionar. Nos seus melhores momentos a teologia católica manteve sempre uma teologia negativa.
A cultura europeia, frente à rigidez dogmática, dirigiu-se para outros substitutos fora de qualquer dualismo. Isto foi também o iluminismo, como o conferencista chamou à atenção. Na esfera política levou à declaração dos direitos fundamentais e à revolução francesa. O resultado, apesar de tudo, foi um mundo secularizado, em que o Homem se ligou a causas imanentes, mas sem uma beleza e sem uma unidade que os transcenda. Perdeu o sentido da totalidade. Buscou então o privado, o self, os sentimentos, as afectividades. A pessoa saiu da coisa pública. Daí o sucesso da psicologia e psiquiatria.
Perante a invasão do pluralismo seria bom ponderação, adverte o conferencista. Como sair de nós mesmos e abrir-nos aos outros? Terá o nihilismo contribuído para purificar uma ideia de Deus? Como descobrir Deus para adorar Deus? Que mediações para a própria linguagem da fé e para a própria pastoral?
Muitas vezes se tem comparado a situação moderna de indiferença generalizada da cultura estabelecida como algo parecido com a noite dos místicos que atinge agora uma dimensão colectiva. O conferencista citou George Steiner na sua conclusão que os modelos do passado pouco servem. Hoje faltam os apoios para a normalização da fé com a cultura. A fé hoje parece continuar em processo. Aqui, o prof. Arnaldo Pinho citou Paul Valadier para justificar que Nietzsche não caiu na tentação de atribuir as causas a algo, mas quando foi ao fundo da questão detectou que o que se passou é que se abandonou Deus, tendo-se abandonado as categorias de “fim”, “unidade”, “totalidade”, “unidade”.
Numa tentativa de apresentar algumas pistas, serviu-se o conferencista de Karl Rahner na sua reflexão sobre o silêncio e sobre a palavra, e serviu-se das reflexões pós-kantianas que depois de Kant (que não quis reduzir Deus a uma coisa, a uma causa igual a outros seres) cada vez mais pensam Deus como dom. Então, talvez o nihilismo ajude o cristianismo a pensar Deus como mistério.
Terminou citando outra vez Nietzsche na sua obra “Assim falou Zaratusthra”. Com Nietzsche criticou o moralismo, o militantismo pouco criativo e repetitivo para optar pelo cristianismo não reduzido a uma causalidade abstracta ou a um dever mais. O “tonus” do cristianismo será ser um caminho de liberdade em que os cristãos não sejam cristãos por dever ou por fardo. No fundo, um mistério. Para falar deste mistério propôs a via da experiência e do testemunho.
Conferência II: Deus que nos interpela no seu Espírito – A importância de uma leitura crente dos sinais dos tempos [Isabel Varanda]
Esta experiência e este testemunho nesta cultura foram a seguir enquadrados nos sinais do tempo e no tempo como sinais, enquadramento orientado pela exortação pós sinodal sobre a Igreja na Europa. A conferencista começou por tratar da expressão “sinais dos tempos”, que teve outros sentidos. A expressão foi visitada nos seus fundamentos bíblicos. A conferencista lamentou a pouca articulação que existe entre a dimensão histórica e bíblica. Entende os sinais dos tempos como sinais do tempo e como sinais histórico-escatológicos. A história e a escatologia foram vistas como sinais e dimensões do tempo. Não foram esquecidos os diferentes sentidos uns positivos e outros negativos.
Para tal, partiu da exortação apostólica sobre a Igreja na Europa no diagnóstico de crise dos sinais de ofuscamento da esperança na cultura contemporânea. Acrescentou também os sinais de violência para dai concluir que as heresias contemporâneas não são religiosas mas antropológicas, onde conflui a ilusão da imanência, do consumismo, do individualismo, de idolatria biologista. Estes são sinais de ofuscamento da esperança.
Perante este cenário apresentou os contributos de Yunus e de Bento XVI na Caritas in Veritate. Escolheu sobretudo a reflexão de Bento XVI sobre a verdade, a metafísica, a transcendência para construir um verdadeiro humanismo. Elencou razões mais profundas para explicar a crise actual, das quais a maior considerou o declínio da esperança e da fé. O problema foi apresentado como um problema de fundamento. Como atitude para encarar este cenário sugeriu uma educação e uma antropologia integral. Finalmente, para construir esta visão integral da pessoa propôs a imagem da “ablatio”, do retiro, do despojamento.
Apesar de todas as dificuldades, foi deixada uma imagem positiva e de esperança, sendo recordado que os sinais do tempo ainda apontam para a luz da esperança, apesar de muitos sinais ofuscarem essa luz. A tarefa da Igreja foi então apontada como sinal que aponta para a luz da esperança pelo testemunho profético e discreto.
O fio condutor do simpósio continuou a ser desenrolado por Eloy Bueno na parte da tarde, desenvolvendo uma leitura canónica do acontecimento e experiências de Fátima para os fazer luzir como acontecimentos teológicos e teologais.

Sexta-feira dia 24 de Junho: parte da tarde
Conferência III: Dimensão teocêntrica da mensagem de Fátima: O esplendor da Trindade [Eloy Bueno]
Este sacerdote docente na faculdade de Teologia de Burgos mostrou como a dimensão teológica da mensagem de Fátima surge com clareza se for considerada como acontecimento teologal, pois é um acontecimento que mostra alento e que dá coerência e sentido aos seus elementos distintos. Por outro lado, surge como acontecimento teologal, porque esta teologalidade surge na mensagem de Fátima do facto de ser um acontecimento que resulta do encontro que Deus realiza em Fátima, encontro para ser encontrado com a família humana. A dimensão teológica da mensagem de Fátima resulta da capacidade que esta mensagem transporta de ser pensada e de apresentar as razões de credentidade e de credibilidade que a sustém. Isto mesmo é vivido pelos Pastorinhos. O conferencista mostrou que a experiência que os Pastorinhos viveram é uma experiência teologal, um acontecimento nas suas vidas porque testemunharam uma experiência profética e mística vivida como louvor à Santíssima Trindade. Esta experiência, assim o aludiu o conferencista, está precisamente presente de forma sacramental na própria arquitectura e disposição do próprio recinto do santuário. Esta sacramentalidade sinaliza um amor visceralmente misericordioso. A misericórdia foi apresentada como a garantia do amor trinitário que atravessa a dor da humanidade.
Para o conferencista deve-se falar de Fátima como um acontecimento unitário que tem uma componente histórica e teologal (a sedução que a liberdade de alguns testemunhos experimentam e que os fazem descobrir uma missão a cumprir). É possível falar de Fátima porque são protagonistas o Deus trinitário e vários testemunhos. Fátima é classificado pelo autor como testemunho místico-profético. Foi chamado à colação o próprio significado do “testemunho”, alguém que fala em lugar de outro. No caso de Fátima estamos diante das três biografias dos Pastorinhos. No fragmento do testemunho temos então uma figura teologal que se faz acontecimento histórico. Perante isto, o conferencista apresentou três caminhos diversos (três Pastorinhos) do absoluto. São testemunhos místicos porque deixam-se arrastar no arrebatamento do amor de Deus misericordioso. Assim, a dimensão teologal é o que caracteriza a vida do testemunho porque vive desse amor que tem de ser testemunhado. Para Eloy Bueno o anúncio do Deus misericordioso é a marca mais profunda do segredo de Fátima. As reacções ao acontecimento e aos acontecimentos de Fátima foram apresentados como factor teológico para pensar e captar o que existe de originário nos acontecimentos da Cova de Iria. Eloy Bueno propõe então uma leitura canónica do evento Fátima, que tenha em conta a singularidade da mensagem de Fátima. Considera que esta leitura canónica foi oferecida por Lúcia nas suas Memórias para compreender o que de mais genuíno e actual existe no que ela presenciou e viveu. Para Eloy Bueno é fundamental o alcance das duas primeiras citações que faz: a de Santo Ireneu sobre a glória de Deus que é a glória dos homens (numa perspectiva claramente trinitária orientada à vida em plenitude do ser humano), e outra do livro do Cântico dos Cânticos (o livro preferido pelos místicos). Eloy Bueno vê nas primeiras memórias da Irmã Lúcia uma Trindade a aparecer no seu fulgor, Trindade descoberta como amor, e só esse amor nos pode levar a submergir no seio do Pai – Deus amor. O amor suscita sempre depois um hino de louvor e de gratidão eterna. Eloy Bueno destacou a importância que Lúcia deu à evangelização como parte essencial do acontecimento histórico e teologal, evangelização frente ao ateísmo e ao paganismo dos homens escravizados que se crêem os senhores do mundo.
O conferencista mostrou que o acontecimento que inicia Fátima (a experiência mística e profética dos Pastorinhos) cumpre os cinco requisitos necessários para ser classificado como um acontecimento teologal:
a) surge com a alegria e a luminosidade do acontecimento da Páscoa (considerou que esta dimensão pascal não tem sido posta suficientemente em relevo, e chamou a atenção para as semelhanças da linguagem das aparições e da linguagem apocalíptica comuns à linguagem do último livro do Novo Testamento – o Apocalipse; a própria experiência mística dos Pastorinhos é uma experiência de luz, experiência tão pascal e tão relacionada com a experiência do Apocalipse); tal como na Páscoa os discípulos recebem um testemunho, de modo semelhante também os Pastorinhos recebem a missão da adoração como atitude teologal no acontecimento histórico da sua vida e experiência;
b) o esplendor da Trindade suscita a atitude arrebatadora da adoração, de louvor e de gratidão; trata-se de uma purificação de todo o egoísmo e de toda a idolatria. Cada um dos três protagonistas vive esta experiência de modo diferente, pois aí também havia aí um segredo. Deste segredo brota uma experiência profética perante a acusação racionalista ou pagã. Eloy Bueno destacou que Fernando Pessoa em 1917 estava nesse ano a escrever um manifesto do neo-paganismo português. Buscava uma experiência religiosa anti-cristã, mas também contra a civilização ocidental que tinha em parte brotado do cristianismo. Propunha um paganismo que fechasse a humanidade dentro das paredes do mundo, fechando qualquer transcendência ou acesso à transcendência. Precisamente por isto, Fátima continua uma experiência teologal e teológica, porque manifesta até onde Deus ama, algo que irrompe na imanência. Em Fátima adora-se nas três virtudes teologais (esperança, amor e crer) porque a adoração é precisamente a reacção a Deus, ao arrebatamento de Deus. Fé, amar e esperar não são, assim, experiências apenas humanas.
c) a Virgem alimenta a confiança e a disponibilidade;
d) tudo acontece no drama da história real com todos os seus contornos de drama e de sofrimento, o que desperta a capacidade de amar até à seriedade da reparação e da expiação, que por si mesmas são sacramentais da adoração, são adoração;
e) a piedade filial, desde a morada trinitária e com a ternura que se vê reflectida no Coração Imaculado de Maria. Nesse coração Imaculado refulge a santidade de Deus de tal maneira que é capaz de atravessar toda a oposição ou obstáculos que o pecado coloca no caminho para Deus. Maria participou do triunfo e da glória do Filho como pessoa transfigurada, e por isso faz-se presente no mundo espelhando a glória do Filho. Eloy Bueno salientou que isso surge depois da revelação do inferno. Trata-se de facto da experiência de um amor que depois do inferno é capaz de melhor ser captado como amor. Isto mesmo é expresso por Jacinta com tanta intensidade no desejo do Imaculado Coração de Maria. Ora, tudo isto surge no drama da história e da maldade. Eloy Bueno salientou a perspectiva pascal da mensagem de Fátima para evidenciar o segredo de Deus como amor, um Deus adorável e a adorar. Terminou evocando a aparição a Lúcia em Tuy das palavras que condensam a essência da Trindade “graça e misericórdia”.
Considerou também que a “bênção” é um elemento permanente na revelação, nas aparições e nas experiências dos Pastorinhos. Deixou como tarefa permanente de Fátima mostrar sempre o manancial da alegria da fé cristã.
Prestou um grande serviço ao santuário porque aplicou uma verdadeira teologia fundamental da fé sobre a mensagem de Fátima, mostrando que o que está na origem está a adoração a Deus porque ela é uma adoração em Deus. Isto só é possível, e assim deve ser, como foi mostrado, porque trata-se de uma experiência histórica e unitária.

Painel 1: Expressões contemporâneas do transcendente
O simpósio pretendeu averiguar quais as formas contemporâneas de adoração, como é que elas se traduzem nas grandes expressões da arte: a música, a arte e o cinema (portas quer de acesso quer de revelação da transcendência).
– A busca da transcendência na música [Paulo Antunes]
O prof. Paulo Antunes dividiu a sua exposição em seis pontos:
1) a busca de sentido. A partir de uma descrição da situação de muita cultura contemporânea como de busca de sentido perante muita experiência de vazio metafísico, situação em que as religiões têm pretendido suprir esse vazio apelando ao transcendente como referencial permanente, o conferencista detectou que apesar disso uma parte importante da nossa sociedade não se revê nessa referência;
2) Arte e experiência artística. A busca dessa referência surge muitas vezes fora da dita órbita institucional da fé. A arte tem-se feito arauto do desejo desta busca, mas muitas vezes com uma intenção desconstrutivista do transcendente;
3) Uma das formas de arte mais relevante neste processo tem sido a da música onde têm florescido muitas formas, sistemas, sintaxes, sons, sonoridades, linguagens, melodias, todas elas expressão de adorações. Algumas dessas formas põem em causa a dimensão comunitária do ser humano, defendendo um egocentrismo individualista e anárquico. A radicalização desta figuração pode chegar mesmo a figuras satânicas, a símbolos míticos. Estas formas tornam-se verdadeiros cultos do absurdo e do não sentido ou do sem sentido. Algumas destas figuras apresentam letras com temas mórbidos. Outras continuam desde sempre no seu brotar de poéticas musicais a melodiar a busca de sentido. Assim, Paulo Antunes apresentou a música como segunda língua humana enquanto experiência do paradigma e do paradoxo, numa cultura que faz da música um outro objecto de consumo;
4) Música e religião: apresentou o caso da música sacra que continua a buscar o sentido, fundada numa relação indestrutível e alicerçada numa experiência do amor que se dá. A música e a religião tentam exprimir o inefável. Por isso, a música não é apenas um cenário sonoro. A música não é inócua nem neutra. Ela veicula valores, uma mundividência. Ela pode formar ou deformar mentes / mentalidades;
5) fenómenos musicais fracturantes: surgem por vezes fenómenos de substituição. A segunda metade do séc.XX viu nascer posturas de contestação social que proclamam formas alternativas, atingindo radicalismos exacerbados. Disso foram apresentados exemplos do punk, do black-metal, o hard-rock dos anos sessenta, do rock psicadélico, o deaf metal como uma parafernália estética muitas vezes até anti-cristã; apresentou o exemplo de uma música do grupo português “Gift” como a manipulação de algumas imagens e símbolos cristãos que desconstrói símbolos religiosos;
6) Buscas da transcendência e do Transcendente na música: Paulo Antunes apresentou expressões artísticas exemplificativas disto mesmo. Referiu a comunidade de Taizé pela beleza e simplicidade da música, a abertura da paixão segundo S. Lucas do compositor polado Krzystof Penderevsky como expressão do grito humano que busca o sentido da cruz. Exemplificou também com a obra de Eugénio Amorim que compôs um hino de acção de graças a partir do Sl 148 numa linguagem muito moderna e arrojada.
– Deus no cinema [Rui Nunes SJ]
Apresentou o cinema como verdadeiro laboratório do sentido da vida e tentou sugerir alguns passos para uma teologia do cinema. Para tal, num primeiro ponto tratou do princípio e fundamento da teologia do cinema para estabelecer uma relação entre a teologia e o cinema. Apresentou a utilidade da linguagem da reivindicação e a linguagem da condição humana que nos chega pela filosofia e pela literatura como apoios e linguagens vinda de outras áreas da cultura para ajudar a reconstruir o próprio resgate do discurso teológico. Rui Nunes estabeleceu uma relação entre teologia e literatura, sendo esta e o cinema verdadeiros lugares teológicos. Mostrou que o cinema consegue, pelo privilégio que tem e pelo que faz, criar a experiência da busca, a realização histórica da liberdade, nem que seja pela ficção. O cinema distancia-se de outros meios de comunicação. Propõe um caminho de superação do imediato, permitindo assim um caminho para a vida de fé. A partir daqui, Rui Nunes estabeleceu uma relação entre cinema e revelação, entendida aqui no sentido lato de encontro com o inefável e enquanto processo de transformação pessoal. Rui Nunes apresentou o exemplo do cinema de Rosselini onde o cinema permite fazer emergir o que é latente e emergente nos acontecimentos. Perguntou-se sobre que tipo de cinema permite olhar para lá do imediato? Aquele que oferece uma ponte para a contemplação do mistério. Por isso, no cinema de Rosselini abundam a espera e o silêncio. Rosselini para tal opera três elementos fundamentais nas suas personagens: o escândalo, a confissão e a conversão. Rui Nunes escolheu o exemplo do filme de Rosselini “Europa 51”.
Qual seriam as condições que uma imagem deveria ter para ser uma imagem religiosa, perguntou-se Rui Nunes? Seria o tema ou o aparecimento de objectos religiosos que fazem ser cinema religioso ou assim chamado? Não. Rui Nunes justificou isto com uma citação de Rahner. Na verdade, a concepção de uma narrativa cinematográfica é religiosa se é mistagógica. Descreveu a seguir algumas técnicas cinematográficas que ajudam a esta mistagogização. Mas chamou a atenção para o facto de que este conhecimento técnico não é suficiente para fazer uma releitura teológica.
Rahner aproximou Rui Nunes de Paul Tillich, do qual se socorreu porque ofereceu uma tipologia da relação entre o estilo e a narrativa religiosa, tipologia que Rui Nunes aplicou ao cinema. Essa tipologia tem quatro modalidades:
1) São todos os filmes onde o estilo e a narrativa são de carácter não religioso e onde é tremendamente difícil encontrar de forma explícita a relação entre ambos;
2) os filmes onde o estilo é religioso mas a narrativa não é religiosa. No entanto, estes relatos também são susceptíveis de uma análise teológica porque somos todos filhos de Deus criados à sua imagem e semelhança;
3) As narrativas onde o estilo é não religioso e a narrativa é de carácter religioso (aqui foram incluídos os filmes sobre Jesus de Pasolini ou sobre Joana d’Arc);
4) As narrativas cinematográficos onde o estilo e narrativa são religiosos ambos (Rui Nunes apresentou os filmes de Karl Dryer e de Robert Gresson).
Com esta apresentação, Rui Nunes ofereceu uma visão ampla e arejada da relação da fé com a cultura, nomeadamente a cultura cinematográfica. Sem o referir, a concepção de “revelação” que assumiu para construir esta relação supõe a renovação da categoria operada pelo Vaticano II na Dei Verbum, a partir sobretudo da nova categoria ampla e complexa de “palavra”. Neste sentido, as palavras do cinema, ou de algum cinema podem ser “palavras” para a revelação cristã. Mas ao longo desta exposição não vimos qualquer citação ou referência a um estudioso destas matérias como é Rodriguez Panizo .
– Da iconografia à mediação: a arte como narrativa e elemento da adoração [Marco Daniel Duarte]
Este historiador da arte começou por analisar vários exemplos da narratividade da arte sacra, enquanto ela mesma narra os motivos que figuram e que contam a arte. Apresentou a arte com os seus elementos que concorrem para a adoração. Mostrou como a arte foi colocada ao serviço da adoração, adoração nas suas mais diversas manifestações. A própria Igreja da Santíssima Trindade está toda ela construída em função da centralidade da adoração. O conferencista não se cingiu, por isso, à adoração dos Magos, mas exemplificou muitas narrativas em que a arte conta e reconta a adoração, em que a arte não é apenas decorativa, mas especificamente aquilo que ela é – artefacto, criação, narração. Nesse sentido, vimos a arte como escritura, como grafia nas suas mais variadas formas, e não como adorno.
Sábado, 25 Junho de manhã
Conferência IV: A atitude crente como caminho de realização humana [Santiago del Cura Elena]
O simpósio tentou continuar a compaginar a razão com a fé buscando buscando essa compaginação na atitude crente como caminho de realização humana. O professor de Burgos Santiago del Cura Elena abordou aqui a tese nuclear da antropologia cristã segundo a qual a fé no Deus de Jesus Cristo é um itinerário que conduz à realização da identidade mais própria do ser humano. Para tal é necessário mostrar o conteúdo central da atitude crente de fé em Deus, bem como mostrar a relevância antropológica da realidade de Deus. Esta necessidade torna-se premente quando o ateísmo difunde que a fé cristã priva o ser humano da sua grandeza. Ora, esta necessidade de responder ao ateísmo obriga à avaliação diferenciada quer da coerência doutrinal da tese de que Deus consuma o humano, quer da própria verificação empírica para lhe dar crédito e evidenciar a sua exiquibilidade. Só com isto, como mostrou, torna-se credível.
Santiago del Cura Elena não tratou da dimensão subjectiva da fé, mas deu prioridade ao discurso da lógica crente. Abordou três questões: que entender por atitude crente que crê em Deus como núcleo central da fé cristã? Como valorizar a incredulidade de muita fé ateia contemporânea que considera a fé cristã como impedimento? E como justificar que Cristo possibilita algo insuspeito de esclarecimento da verdadeira identidade e da realização última da pessoa humana, sendo assim o verdadeiro Homem?
Para esclarecer estas questões iniciou uma pequena fenomenologia da fé no seu húmus da antropologia. Considerou a fé como confiança originária, o que permite que a fé possa ser considerada como um transcendental do ser humano, ou seja, como algo que lhe é próprio e comum a todos. Mostrou assim o ser humano como homo credens. E a atitude crente toca o crer Deus, o crer a Deus e o crer em Deus. Deus merece confiança e Deus surge como fim último da fé. Assim, só em Deus podemos crer de modo absoluto e incondicional. A primazia fica sempre para Deus, porque transcende-nos sempre, é sempre maior. Mas a via negativa da fé não conduz à pura negatividade, mas conduz ao silêncio da adoração. Santiago del Cura evidenciou assim a positividade da negatividade da linguagem da fé e do emudecimento de Deus.
A primazia de Deus na anterioridade da revelação suscita a resposta da fé. Então, é Deus que possibilita ao ser humano ser o que é. Sem esta primazia, advertiu o conferencista, Deus seria substituído. Evocou Bonhoeffer como exemplo de resistência ao colocar a Deus em primeiro lugar.
De seguida, na segunda parte, apenas aludiu às críticas do ateísmo contemporâneo que consideram o cristianismo como uma religião inumana, e os cristãos por serem néscios ou até mesmo amorais. Do ponto de vista histórica esta versão acusa o cristianismo como sendo a causa dos males da humanidade. No fundo, põem em causa a humanização da fé. Santiago del Cura Elena exige que a fé cristã trate destas questões de maneira crítica. O Deus da tradição cristã afinal está vivo, apesar de muitos O darem como morto. Isto é visível no fenómeno ambivalente do regresso do religioso.
Na terceira parte olhou para Cristo como homem novo, revisitando textos do Concílio. Partiu do Ecce Homo da paixão, tal como fez Karl Rahner, sem nunca o citar, ainda que em pano de fundo tenha sido subsidiário da relação que Rahner articulou entre antropologia e cristologia. Apresentou em que medida Cristo realiza a verdadeira identidade do ser humano inspirando na GS 22. E mostrou como algumas encíclicas de João Paulo II e a Caritas in Veritate (nº29) de Bento XVI continuam este processo de mostração de que Jesus Cristo é a consumação da humanidade. Assim se justifica a fé no verdadeiro Deus e na Encarnação. Na verdade, o ateísmo torna-se inumano porque priva a humanidade de Deus. Aqui, colocou lado a lado Bento XVI e Henri de Lubac na afirmação contundente, radical de que um humanismo sem Deus é inumano.
Perante esta radicalidade, Santiago del Cura Elena distingue os princípios teológicos do âmbito ético dos comportamentos doutrinários. O conferencista também sentiu a necessidade de comentar esta afirmação tão radical e tão excluidora (exclusiva). A encíclica Caritas in Veritate quer esclarecer as diferenças entre caridade verdadeira e amor desviado, num ambiente marcado pelo relativismo e pela mundialização. Santiago del Cura mostrou a coerência do pensamento de Bento XVI nas suas encíclicas, na continuidade do Vaticano II. Mas na experiência concreta não se pode sem mais identificar ateísmo com inumanidade. Do ponto de vista doutrinal Bento XVI é coerente, mas há que distinguir os princípios das opções éticas, pois existem ateus que até são moralmente íntegros. Santiago del Cura não deixou de recordar as feridas que os crentes cristãos deixam no mundo e na Igreja como sinal de contradição provocado pelo seu pecado. Há que distinguir pretensões teológicas e pretensões morais para encontrar um ponto de encontro, um ponto comum entre crentes e não crentes, para assim construir um diálogo entre a fé e a razão.
Concluiu que esta relação, este diálogo adverte nas nossas esperanças o desejo da grande esperança – Deus.
Painel 2: Caminhos para a maturidade da fé
Este painel preocupou-se com as mediações da fé na concretização da liberdade e da pedagogia da fé. De novo o simpósio procurou concretizar caminhos para a maturidade e para a pedagogia da fé.
– A fé como opção de liberdade [Eduardo Borges de Pinho]
O prof. Borges de Pinho, na sequência da conferência anterior, especificou a humanização da fé na perspectiva da liberdade tentando explicitar existencialmente o que significa ser pessoa crente e livre, e como a nossa vivência da liberdade se enquadra no contexto da busca de sentido humanizador e verdadeiramente libertador. Dividiu a sua reflexão em quatro pontos: 1) primazia de Deus no dom da fé; 2) liberdade libertada; 3) fé como experiência de salvação e processo de libertação; 4) indicações pastorais ao nível da educação da fé e da vida interna eclesial. Com estes pontos apresentou uma reflexão muito realista sobre a realidade da fé e da liberdade.
1. Começou por assumir a concepção da fé como dom de Deus e resposta livre, liberdade em que se explicita precisamente a atitude mais radical e mais humana da liberdade. Para evidenciar esta radicalidade e esta liberdade abordou de seguida a liberdade cristã como “liberdade libertada” à semelhança ou por analogia com o próprio processo de crescimento e de maturação. Aqui tocou a relação fundamental para a fé que a relação entre a graça e a liberdade, servindo-se de Hans Urs von Balthasar e Rahner para a pensar como tensão dialéctica, que o é.
2. Estabelecida esta prioridade ontológica do dom de Deus da graça há que especificar o que significa o dom da fé. Assim, a fé surge como dom de uma liberdade libertada, emerge como a mais radical decisão da liberdade humana. A fé surge assim como possibilidade mais radical que o ser humano pode acolher. A liberdade cristã na fé surge aqui como libertação. Isto permite acolher Deus não como agressor mas como o garante da vida e da dignidade do Homem. Então, o facto de a liberdade ser libertada para a sua realização é a própria condição de possibilidade da fé. Aqui, sem o referir, Rahner foi o condutor.
Explicitou, em consequência, o carácter opcional da decisão crente para evidenciar a razoabilidade da fé. Disse por isso o que a fé não é: nem adesão cega nem simples escolha arbitrária. A fé situa-se ao nível do opcional perante o dom gratuito. Não sendo arbitrária, também não é uma dedução. A fé sabe dos motivos que justificam essa opção, razoabilidade de assentimento. Não é um salto no escuro. Borges de Pinho continuou aqui uma abordagem fundamental da fé.
3. Sendo a fé uma nova maneira de viver, isto faz com que a pessoa participe do olhar de Deus. Este deixar-se tocar interiormente pela acção do Espírito permite ao cristão ir experimentando a verdadeira liberdade (Gal 5,1). Borges de Pinho apresentou aqui uma concepção dinâmica da fé e da liberdade. Trata-se então de uma experiência de salvação e de libertação. Borges de Pinho reevocou aqui a primazia da graça. Não deixou de conjugar a liberdade na passiva, ao contrário da cultura contemporânea que a conjuga apenas de maneira autónoma e activa. Isto permitiu-lhe distinguir classicamente a liberdade menor da liberdade maior.
4. Sendo a liberdade uma opção radical maior então foi deduzido que não há contradição entre os verdadeiros valores e os valores cristãos, entre o projecto de uma realização humana de vida e o propósito do evangelho, não pode haver contradição entre o desejo da pessoa e o projecto de Deus. Neste seu último ponto apresentou algumas regras para que a liberdade seja libertada na vida eclesial. Trata-se aqui do contributo cristão para a percepção da verdadeira liberdade. Salientou o prof. Borges de Pinho a necessidade de evidenciar a razoabilidade da liberdade cristã, da opção cristã. A fé tem de mostrar que a pessoa totalmente livre só o é na doação, por critérios de verdade e de justiça, e que esse é o caminho do acabamento humano. Trata-se do difícil caminho da aspiração à liberdade que tem de ser equacionada na base de uma criteriologia ética mais apurada, mais precisa. O cristão tem de ajudar a ver o verdadeiro sentido da liberdade. Chamou a atenção para a necessidade, para a exigência mesmo de ajudar a não esquecer que a nossa liberdade está ferida pelo pecado. Trata-se de um serviço de humanização, trata-se de um serviço ao mundo. Por fim, foi denunciada a pouca atenção ao desenvolvimento da consciência pessoal da experiência da fé e do próprio processo de educação, bem como aqueles momentos ou opções que impedem a comunidade eclesial de ser um tempo e um espaço de verdadeira liberdade.
– Fátima e a pedagogia da fé [Adelino Guarda]
O dr. Adelino Guarda visitou alguns processos e momentos pedagógicos da vida e da espiritualidade do santuário. Privilegiou as emoções na Mensagem de Fátima. Fátima, como pedagogia das emoções, foi proposta como uma porta de entrada para ajudar os peregrinos à educação para a fé, porque está cheia de momentos emotivos, intensos, de vivência da profundidade.
Na mensagem de Fátima salientou também a relação pedagógica: Fátima foi equacionada como lugar de relação, como o lugar do tu, o lugar do encontro à semelhança do núcleo central da fé cristã que é o encontro de Deus com a humanidade.
Finalmente, apontou o silêncio de Fátima e da mensagem como factor pedagógico. Em Fátima a pedagogia do silêncio é caminho também de encontro. O conferencista leu Fátima a partir das vivências pastorais e espirituais de expressão da fé, e como hoje continua essa expressão a ser caminho também para a própria fé.
Sábado dia 25 parte da tarde
Conferência V: Adorar Deus em espírito e verdade [D. António Couto]
Foi também muito pedagógica a visita proporcionada por D. António Couto. Levou-nos até essa grande central da combustão que é a Sagrada Escritura para mostrar como já aí a adoração do verdadeiro Deus incompatiliza-se com o que não é fundamental.
D. António Couto reflectiu sobre a primazia de Deus sobretudo a partir das passagens bíblicas de Jo 2,13-22 (o santuário que é Jesus); 4,19-24 (os últimos dizeres de Jesus sobre a verdadeira adoração) e classificou a verdadeira adoração em espírito e verdade como uma combustão de tudo aquilo que desvia dessa adoração. Escolheu o segundo texto por ser o único enunciado em toda a Escritura desta fórmula de adoração “em espírito e verdade”, ou seja, de vida orientada para e pelo Pai. O primeiro texto foi escolhido porque nos faz passar de um espaço local para um espaço relacional da adoração. Olhou assim do alto de dois montes – o Garizim e o monte de Jerusalém como lugares para chegar ao lugar da relação.
D. António Couto seguiu de perto os textos bíblicos (gramatical e exegeticamente) e chamou a atenção para a “composição” que a mulher inominada da Samaria realiza com o verbo “theoréô” (ver, compor, comparar) em Jo 4,19-24 para chegar a compor a verdadeira adoração. Jesus diz à mulher que é preciso adorar “o Pai”, e não apenas “Deus”. Recordou o conferencista que o nome “Pai” só pode e foi introduzido pelo dizer de Jesus. Também recordou que o verbo que Jesus deixa à mulher no poço de Jacob é o verbo “proskynéô” que traduz nos Setenta o verbo “shawah” no hithpael. Este verbo significa “beijar”, “ajoelhar”. Daqui tirou conclusões: a adoração só acontece na relação filial, e só acontece na relação. A adoração já não é espacial mas relacional. Adora-se assumindo a posição de filho. Só assim se adora.
Nesta adoração Jesus O Filho não está só. Segundo Jo 16,32 está com o Pai e o Espírito, tornando-Se assim o lugar da verdadeira adoração – o templo novo. Por isso, pensou Jesus não como caminho mas o lugar onde está o Pai. Mostrou como este lugar é o ponto de um caminho que vem de longe do Antigo Testamento. Entre outros textos comentou “compondo” a leitura de Sl 40; 1 Sam 15,23-24, do rib de Is 1,11-17, o discurso de Jeremias no templo em Jer 21,24, o outro rib de Miq 6,6-8. Na sequência destes textos, compôs o texto do novo santuário de Jo 2,13-22 que é Jesus. Compôs porque comentou os espaços relacionais de Jesus – as casas do “meu Pai”. Os espaços de Jesus são uma “casa”, não um templo, nem um santuário. É um lugar de comunhão segundo Zac 14,21. D. António Couto serviu-se assim de vários exemplos do género literário do “rîb” (litígio, confronto) ainda que o não tenha referido.
Painel 3: Caminhos de adoração
Este painel procurou concretizar a verdadeira adoração em momentos e modos particulares de adoração: no caminho litúrgico, no caminho do santuário, e nos caminhos do dia-a-dia.
– Adoração e liturgia: a centralidade do agir de Deus [Bernardino Costa, OSB]
Frei Bernardino Costa olhou de maneira global para uma liturgia integral na qual à boa maneira bíblica é toda a pessoa que adora, com todas as dimensões que lhe são próprias. Mostrou como não é apenas uma parte da pessoa que adora, porque muitas vezes isto é esquecido devido à grande cerebralização da liturgia ocidental. A adoração foi assim perspectivada a partir do(s) adorador(es) na integralidade da pessoa, porque é a pessoa toda que está diante de Deus. Deste modo, a liturgia surge como ritmo harmónico do rito enquanto tal porque harmoniza todas as dimensões da pessoa. Nesse sentido já é uma adoração verdadeira. Esta adoração litúrgica vai beber às coordenadas da liturgia: o tempo e o espaço onde acontece sempre. Definiu de seguida este tempo e este espaço:
1. Um tempo orientado para a eternidade; este é o tempo litúrgico. Durante o ano litúrgico adora-se Deus por aquilo que ainda não se possui. Isto faz do tempo de Deus um tempo diferente e o Domingo o Dia do Senhor para transgredir os dias normais.
2. Um espaço que favorece a adoração, porque policromático e ritmado.
Este tempo e este espaço, que constituem a liturgia, não são separáveis das atitudes de adoração: com gestos, com palavras e com emoções. Aqui foram apresentados alguns dos exemplos mais recorrentes das nossas acções litúrgicas, sobretudo eucarístico. Com estes exemplos mostrou as várias acções rituais de todas as dimensões da pessoa.
Finalmente, apesar dos gestos, das palavras e das emoções, também o silêncio foi descrito liturgicamente, pois a vida litúrgica inicia-se com o silêncio porque nem tudo se pode ver ou mostrar nem tudo pode ser dito. Aqui, Frei Bernardino assumiu o silêncio como palavra (sem o referir) no contexto da nova concepção da palavra reveladora segundo a Dei Verbum. Isto permitiu descrever a eloquência do silêncio à maneira bíblica. Assim, a verdadeira adoração é silenciosa no sentido etimológico do termo. Daqui foi deduzida a dimensão eclesiológica do silêncio. A Igreja é formada, iniciada no silêncio. A verdadeira Igreja pode apenas surgir do silêncio. A própria vida litúrgica inicia-se com o silêncio, é o pressuposto de qualquer acção sagrada.
– Adoração de Deus na vida quotidiana [Margarida Alvim]
Margarida Alvim inspirou-se na espiritualidade inaciana para integrar o dia-a-dia com a adoração e na adoração. Com base na sua própria experiência espiritual pessoal, percorreu sete categorias que constroem a adoração quotidiana nessas sete paragens: a casa, o tempo, o silêncio, o encontro, a transformação, a comunhão e a plenitude.
– A adoração no contexto da Mensagem de Fátima [Carlos Cabecinhas]
Antes de particularizar, foi resumido o significado da adoração enquanto tal. O reitor do santuário concretizou depois a verdadeira adoração no caso particular de Fátima, onde a adoração surge logo a abrir a mensagem no ciclo das aparições angélicas. Esta adoração está intimamente unida à revelação do rosto trinitário de Deus, rosto esse adorável. O reitor descreveu o lugar da adoração no seio da mensagem de Fátima e na vida dos Pastorinhos para destacar a relação estreita da adoração com a reparação, sendo esta a tradução do compromisso dos Videntes com a mensagem do Anjo. A adoração reparadora foi descrita como um dos temas nucleares da mensagem de Fátima, adoração essa que não só a eucarística, ainda que a mais importante. Foi assim apontado como essencial na mensagem de Fátima o evangelho da Trindade. Esse segredo é adorável.
Dos vários gestos litúrgicos da mensagem de Fátima foi sublinhada a prostração, gesto tão alheado do ritual romano.
O reitor foi dos palestrantes que mais buscou a dimensão social e do compromisso da adoração, para não ficarmos apenas no acolhimento da adoração. A reparação surgiu como gesto dos Pastorinhos que concretiza também a adoração. Da adoração surge a reparação. Neste género de reparação foi referida a devoção dos primeiros sábados, muito particular no santuário de Fátima. A devoção dos primeiros sábados tem uma pedagogia que assume a centralidade de Deus na nossa vida. Assim, a adoração fora da celebração eucarística não acontece fora, em última análise. O reitor do santuário não deixou de referir o isolamento a que historicamente foi votada a adoração eucarística. Assim, inseriu a adoração eucarística no prolongamento da celebração adorante.
Domingo, 26 Junho
Conferência VI: Rezar a Deus por Cristo no Espírito Santo com Maria [João Paulo Quelhas]
João Paulo Quelhas Domingues inspirou-se no nº66 da LG e sobretudo no nº39 da Marialis Cultus de Paulo VI para enquadrar a oração mariana no seio da oração cristã nas suas diversas formas e momentos. Distinguiu a adoração ao Filho da veneração a Maria porque “difere essencialmente” do culto ao Filho. Indicaram-se as razões pelas quais a Igreja celebra Maria e o objectivo com que o faz. Explicou o sentido dessa expressão “celebrar Maria” e “com Maria”. Tal acontece por especial amor e especial exaltação.
O conferencista justificou o culto mariano pela especificidade de Maria na história da salvação. Daí decorre não um culto outro, mas o mesmo culto cristão com momentos únicos marianos. Celebrar Maria é então celebrar com Maria o culto cristão. O lugar especial de Maria na história da salvação e na história de Jesus dá-lhe um culto especial de veneração. Da unicidade histórica de Maria resulta a unicidade litúrgica do culto mariano no seio da unicidade do culto litúrgico ao Filho. Este foi e é o fundamento apresentado do culto a Maria. O fundamento do culto mariano é teológico e bíblico.
Apesar disto e a propósito disto não foi desenvolvida a relação entre a mediação cristológica a e função mariana na história da salvação.
O simpósio reatou aqui o início em jeito de uma grande inclusão. O professor de Milão preocupou-se com a resposta cristã a dar perante várias vias de busca de Deus na cultura contemporânea. Na sua reflexão este sempre presente a categoria de Nietzsche do “nihilismo”, ainda que tal nunca tenha sido referido.
Pierangelo Sequeri indicou três figuras da busca de Deus partindo das premissas que a procura de Deus não é sinónimo de falta de fé e que a falta de fé não coincide com a busca de Deus. Quis discutir uma via entre outras duas para pôr o problema de Deus. Não crê que a questão de Deus seja filosófica ao nível do pensamento, mas existencial, teológica, e sobreuto pública e cultural. No fundo, tentou responder à questão mais de fundo de saber se é possível que um homem adulto e consciente pode ser devoto de Deus. O problema e a questão de Deus tornam-se assim devocional, afirmou mesmo que a temática de Deus é devocional na medida em que o que está em causa é a própria possibilidade de alguém abandonar-se nas mãos do outro e nas mãos do Outro, o que torna-se muito difícil (por isso devocional) na cultura moderna ou pós moderna do individualismo e que padece daquilo a que ele chamou “o monoteísmo do self”. No fundo traduziu a questão teórica da primeira comunicação numa linguagem muito mais fácil e perceptível: como e porquê abandonar-se a Deus?
Uma primeira resposta extrema é da via actual segundo a qual a procura de Deus nasce de um desejo profundo, de uma angústia profunda. Esta acaba por ser uma via da fé, porque é aquela percorrida pelos grandes místicos como Santa Teresa e S.João da Cruz. Advertiu que diante daqueles que procuram depois de perderem Deus (e que por tal vivem angustiados) não é admissível a resposta da certeza fácil por parte
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